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Vale afetará vida de 51 comunidades em novo empreendimento

A líder quilombola Marlene de Sousa disse em reunião de acionistas da Vale que a mineradora afetará diretamente a vida de 51 comunidades. E que segundo os documentos para o licenciamento ambiental do empreendimento, é como se todas essas pessoas não existissem. A denúncia foi feita na última sexta-feira (28 de abril), em assembleia geral ordinária. Para ter acesso, Marlene comprou ações da empresa e tornou-se a primeira quilombola a participar de um evento fechado como esse. E como não poderia deixar de ser, votou contra a aprovação da “Proposta da Administração 2023”.

Coordenadora da Comissão das Comunidades Quilombolas do Alto e Médio Rio Doce, ela apontou incoerências no documento. O que colocam em risco a vida de moradores de 51 comunidades tradicionais de 11 município da Serra da Serpentina, em Minas Gerais. Entre essas incoerências apontadas, o estudo e relatório e impacto ambiental (EIA/RIMA) aponta que o mineroduto atravessará as comunidades. Mas para obter a licença ambiental, a mineradora negou que vivam pessoas na área de influência do empreendimento. Ou seja, o EIA/RIMA encaminhado pela empresa aos órgãos licenciadores está, em grande parte, baseado em dados secundários. Em outras palavras, a Vale não enviou equipes ao local para fazer o levantamento das informações.

“No anexo 6 da ‘Proposta da Administração 2023’, item ‘b, Contexto de Negócio da Vale’, a Vale afirma que pretende se tornar ‘líder em mineração sustentável. E referência em criação e compartilhamento de valor com seus acionistas, stakeholders e sociedade.’ Também diz que tem como valores ‘a vida em primeiro lugar, agir com integridade e respeitar nosso planeta e as comunidades’. No entanto, essa não tem sido a prática da empresa em várias ações referentes a velhos e novos projetos, como é o caso do ‘Projeto Serra da Serpentina’. O projeto atinge 11 municípios da região das bacias hidrográficas do rio Santo Antônio. E também do rio Piracicaba, que compõem o vale do rio Doce, em Minas Gerais”, disse Marlene na assembleia.

“Estudos da Vale são omissos e tecnicamente falhos”

A liderança é coordenadora da Comissão das Comunidades Quilombolas do Alto e Médio Rio Doce. A entidade representa mais de 40 comunidades tradicionais, entre quilombolas e indígenas. Todas essas deverão ser afetadas diretamente pelas obras e operação do megaprojeto da companhia de extração e transporte de minério de ferro.

Em seu voto, ela lembrou aos demais acionistas que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) obriga as empresas a ouvirem os povos e comunidades tradicionais de forma prévia, livre, informada e de boa fé, para a elaboração de um EIA/RIMA. Afinal, se trata de uma ação administrativa com impacto irreversível à vida das comunidades.

“Os estudos ambientais omissos e tecnicamente falhos, como os apresentados pela Vale para o ‘Projeto Serra da Serpentina’, além de configurar irresponsabilidade socioambiental, poderão trazer danos morais e perdas financeiras aos acionistas e investidores. A subestimação dos impactos e danos – exemplos não faltam no histórico da empresa -, poderão ser objeto de judicialização e responsabilização criminal, levando à penalização da empresa e, consequentemente, de seus acionistas, com imputação de vultosas multas e pagamento de indenizações”, disse. “As contradições entre o que a Vale apresenta como valores e comportamentos-chave no relatório a seus acionistas são graves, e já trazem impacto à imagem da empresa”, completou.

Acionistas críticos em ação contra a Vale

O posicionamento da liderança está inserido na ação do movimento da Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale. O intuito da iniciativa é alertar os investidores da companhia sobre os riscos financeiros decorrentes de violações de direitos humanos e ambientais cometidos pela empresa.

No caso de Serpentina, há o agravante de a população ser silenciada. Mesmo com a empresa tendo em seu histórico as 289 mortes nas tragédias causadas pelo rompimento das barragens da empresa em Brumadinho e Mariana. Além de denunciar o Projeto Serpentina, ela e outros acionistas críticos votaram contra a aprovação do relatório administrativo de 2022. Consideraram quatro pontos.

São eles:

  • A falta de transparência em relação à dívida líquida relacionada aos desastres de Brumadinho e Mariana;
  • A Fundação Renova, que faz a administração das indenizações, teve todas as prestações de contas reprovadas pelo Ministério Público de Minas Gerais, o que motivou o órgão a pedir a sua extinção ainda em 2021;
  • A falta de informações em relação aos projetos de expansão ferroviária e portuária no Estado do Maranhão também foi exposta. Outro ponto que requer mais detalhes é a redução de 46,4%, em comparação a 2021, no orçamento do Programa de Descaracterização, que muda as estruturas de barragens construídas em cumprimento à Lei Mar de Lama Nunca Mais;
  • Outro tema levado pelos acionistas críticos foram os impactos causados pelo projeto níquel Morowali, na Indonésia. A população local vem denunciando constantemente a poluição causada pela mineradora. Testes de qualidade de água realizados recentemente apontam concentração de metais pesados muito acima do permitido pela Organização Mundial de Saúde.

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