Favela é cidade? A solução é integrar? Como urbanizar sem desmanchar? Essas e outras questões foram discutidas no dia 27 de julho, no encontro do grupo de referência do programa Morar Carioca. O grupo é formado por oito especialistas (veja abaixo quem são eles), moradores ou não de favelas da cidade, e tem como objetivo dar apoio à ação, refletindo sobre as atividades planejadas.
Além dos pesquisadores e coordenadores e agentes do projeto, reuniram-se para o debate representantes da prefeitura e dos escritórios responsáveis pelo plano de urbanização das favelas. Inspirados pelas “pílulas Machadianas”, um conjunto de reflexões trazidas pelo sociólogo Luiz Antonio Machado, o grupo discutiu por cerca de três horas as possibilidades de integração entre bairros e favelas na cidade do Rio.
Mas será que eles são tão diferentes assim? Para Gerônimo Leitão, ex-diretor da Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF, há favelas que são como cidades: a Rocinha, por exemplo, seria uma cidade com vários bairros de diferentes estruturas socioeconômicas. O arquiteto afirma que dizer que mora no Laboriaux, região pobre da Rocinha, ou no pé do morro é tão diferente quanto dizer que mora no Méier ou em Ipanema. São “bairros” diferentes dentro da “cidade”. Por outro lado, Alan Brun, morador do conjunto de favelas do Alemão, lembra que o local é considerado, oficialmente, um “bairro” desde a década de 90 e, no entanto, as diferenças em termos de infraestrutura e atuação do Estado são claramente distintas em relação a um bairro próximo, a Penha.
Integrar é a resposta?
A resposta seria trabalhar a integração das favelas com a cidade? Para Grazia de Grazia, não. A assistente social acredita que se deve entrar na questão pelo âmbito dos direitos dos moradores enquanto cidadãos. “Que direitos essas pessoas têm de circular pela cidade, por exemplo?”, explica. “Não existe quem não esteja integrado. Ocorre que alguns estão integrados de forma subordinada”, complementa Moema Miranda, diretora do Ibase.
Pensar em integração e até mesmo urbanização pode ser, na visão de alguns, um perigo para a preservação da diversidade característica das favelas cariocas. Isabel Tostes, representante da Secretaria Municipal de Habitação, afirma que o programa deve garantir a preservação da “trama especial da favela”. “Lisboa foi uma grande favela, mas hoje só quem tem dinheiro mora lá. Será que a gente não está produzindo gentrificação?”, questiona.
O otimismo vem de Dulce Pandolfi, consultora do Morar Carioca Cidadania Ativa. Ela acredita que estamos vivendo um momento diferente, e é sim possível “urbanizar sem desmanchar”. Pela primeira vez um programa de urbanização de favelas no Rio prevê um espaço de participação popular na elaboração dos projetos, e este espaço está sendo aberto pela prefeitura através da ação do Ibase. É preciso acreditar que urbanização e remoção não são, necessariamente, a mesma coisa. E, desta forma, avançar na ampliação de direitos para mais moradores das favelas – mas, antes de tudo, moradores da cidade do Rio de janeiro, afinal, favela é cidade.
Perfil grupo de referência Morar Carioca
Cleonice Dias de Almeida
Cleonice é pedagoga e líder comunitária na Cidade de Deus, onde morou por muitos anos. Ela fez parte da equipe técnica social de habitação do Comitê Comunitário e foi uma das diretoras do Conselho de Moradores da Cidade de Deus, tendo atuado na criação da Agência de Desenvolvimento Local da comunidade.
Alan Brum Pinheiro
Alan é morador do Complexo do Alemão, fundador e presidente do grupo sociocultural Raízes em Movimento. Ele foi professor durante alguns anos em Associações de Moradores do Complexo e gerente técnico do trabalho social do PAC na área.
Pedro Cláudio Cunca Bocayuva
Cunca é professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e pesquisador do núcleo de desenvolvimento urbano e sustentabilidade do BRIC Policy Center (IRI/PUC-Rio e Prefeitura do Rio de Janeiro). Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Cunca também é pesquisador e avaliador de políticas públicas nas áreas de tecnologia social, economia solidária e desenvolvimento territorial/local.
Gerônimo Leitão
É Professor Associado da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, que dirigiu entre os anos de 2007 e 2011, e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da mesma instituição. Autor de diversos livros na área, Gerônimo é Conselheiro Suplente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro e Conselheiro Superior Suplente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Seção Rio de Janeiro. O arquiteto tem experiência profissional e acadêmica em Planejamento e Projeto do Espaço Urbano, atuando, principalmente, nos seguintes temas: projetos de habitação de interesse social e de regularização urbanística de assentamentos informais.
Luiz Antonio Machado da Silva
Luiz Antonio Machado é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (UERJ) e aposentado pelo Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ). Machado fez doutorado no Rutgers – The State University of New Jersey, e dois pós-doutorados no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. É organizador do livro “Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro”, resultado de pesquisa coordenada por ele. Atua especialmente com os temas da sociologia urbana, favelas, sociabilidade, segurança pública, entre outros.
Lúcia Xavier
Lúcia Xavier é assistente social formada pela UFRJ e coordena o Criola – Organização de Mulheres Negras do Rio de Janeiro. Lúcia é também secretária executiva da articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras e membro do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Atua com os temas raça, gênero, direitos humanos, políticas públicas, saúde da mulher negra e antiracismo.
Jaílson de Sousa e Silva
Jaílson é professor do Departamento de Educação da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da mesma universidade. É fundador e coordenador geral do Observatório de Favelas, ONG localizada na favela da Maré, onde Jaílson foi criado.
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