A escalada arriscada de posições e atitudes assumidas pela presidência da República nas últimas semanas, aliada à revelação de uma rede de corrupção e fraudes envolvendo membros do Judiciário, fez acender, até em quem outrora apoiou o projeto político de Jair Bolsonaro, uma luz de alerta quanto aos caminhos que estão sendo trilhados pelo país.
Ante a gravidade das denúncias que envolvem os procedimentos adotados por promotores e juízes à frente da Operação Lava Jato, os tradicionais aliados da mídia hegemônica, alguns militares e representantes do sistema financeiro entraram em ação para desacreditar os diálogos revelados. Estes apontam evidências de que a Lava Jato não respeitou o sistema legal brasileiro, violando a Constituição, o Código da Magistratura e o Código da Lei Penal. A seriedade destas denúncias exige uma resposta efetiva do Estado à sociedade brasileira.
Nas redes sociais e em debates, algumas pessoas começaram a levantar a possibilidade de impedimento do presidente por crimes de responsabilidade. Também no âmbito da Plataforma dos Movimentos Sociais Pela Reforma do Sistema Político refletimos sobre esta alternativa.
Compreendemos que o impedimento do presidente Jair Bolsonaro não resolve o sério processo de fragilização do sistema democrático, aprofundado nos últimos anos. É necessário analisar o papel do presidente Jair Bolsonaro em um contexto maior de disputas geopolíticas e de uma agressiva política de implementação de um projeto ultraneoliberal. Isso significa que o impedimento não resolve as questões estruturais que ameaçam a nossa soberania e democracia. A saída de Jair Bolsonaro apenas viabilizaria que seu lugar fosse ocupado por alguém um pouco mais cauteloso nos pronunciamentos públicos e no respeito aos ritos do cargo.
Não é de agora que as limitações do sistema político se manifestam em nosso país, e entendemos que qualquer saída efetiva só se dará em médio/longo prazo, por envolver rupturas profundas com nosso passado colonialista e autoritário. Sem ampliarmos a participação da sociedade nos processos decisórios, inclusive com a conquista de representação plurirracial e pluriétnica nas instâncias políticas, a democracia não se consolida.
Contudo, avaliamos que, paralelamente à construção cotidiana de novos paradigmas de democracia, é também preciso responder ao cenário preocupante que se apresenta. Não podemos assistir placidamente ao processo em curso de ameaça à soberania do país, ao total desmonte das políticas socioambientais, à retirada de mais direitos, além de episódios cada vez mais frequentes de recrudescimento da violência contra as chamadas minorias e ataques constantes do Estado à liberdade de expressão.
As eleições de 2018, segundo a revelação das mensagens secretas feitas pelo The Intercept Brasil, foram fraudadas: o candidato com mais chance de ganhar foi afastado por um processo eivado de irregularidades, sem provas, pelo qual foi condenado e preso. A operação Lava Jato, longe de ser uma iniciativa para acabar com a corrupção no Brasil, perseguiu o PT e suas lideranças, em articulação com a grande mídia, criando a narrativa da “maior história de corrupção do país”. Foi a base para a campanha pelo impedimento da presidenta Dilma e a condenação de Lula.
Se o impeachment não é um caminho a se considerar, há um outro bastante razoável: o julgamento de diversas ações ainda do processo eleitoral, especialmente as que versam sobre abuso do poder econômico que poderiam resultar na cassação da chapa, considerando que a chapa é una e indivisível – o que provocaria a posse temporária do presidente da Câmara e novas eleições seriam convocadas, se isto ocorrer ainda antes do cumprimento de dois anos de mandato. Estes processos são AIJEs, Ações de Investigação Judicial Eleitoral, e dependem, portanto, de investigação. Matéria recente do jornal a Folha de S. Paulo relata que eles se encontram parados, enquanto outros mais recentes já andaram rapidamente.
Isto, porém, depende da celeridade da Justiça Eleitoral, que ainda vem julgando prefeitos eleitos em 2016 e não pode fugir de suas responsabilidades com os destinos do país, diante de tantos abusos e irregularidades, cassando a chapa como um todo e convocando novas eleições. Com a palavra, portanto, a Justiça Eleitoral. Para além disso, como acreditamos que um mandato não pertence apenas a quem foi eleito ou mesmo a quem o elegeu, mas a todos os eleitores, pensamos que possam ser adotados mecanismos como recall ou mandatos revogatórios: os eleitores podem tirar o eleito se não cumprir o prometido ou cometer atrocidades com o mandato.
Nós cobraremos e pressionaremos para que o país retome os seus rumos e se livre de qualquer viés autoritário que ameace o nosso ainda frágil Estado Democrático de Direito, e que a nossa democracia seja de fato construída livremente pelo povo!
Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
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