Itamar Silva
Diretor do Ibase
Ontem assisti ao jogo Brasil e Inglaterra acompanhando a transmissão feita pela Rede Globo. Fiquei com um certo incômodo que, a princípio, não consegui definir. Olhava para aquele estádio pela TV e não reconhecia o Maracanã. Mais que isso, eu não me identificava com aquele conjunto de torcedores e não reconhecia a massa que por tantos anos fez balançar aquele estádio. Parecia um estádio europeu: todos muito bem comportados, brancos, na sua maioria, e com lindos sorrisos. Talvez essa era a imagem que se queria mostrar. Pode ser… mas tive dificuldades de me identificar com aquele quadro.
Me chamou atenção uma entrevista com um grupo de rapazes que estavam no limite entre as cadeiras e o gramado. Todos os jovens eram brancos e com “cara de bem nascidos”, falavam corretamente e um deles, sentado na grade, fronteira física que separava os dois espaços, sentia-se em casa. A sensação era a de que a qualquer momento, dependo de sua vontade, ele poderia estar do outro lado. Essa possibilidade existia. Minha cabeça deu uma volta eu pensei que aquele cenário, naquele momento, espelhava as diferentes oportunidades oferecidas às juventudes brasileiras. E como gosto de provocar os meus próprios pensamentos, fiz a seguinte pergunta: e se o jovem sentado na grade fosse negro e pobre? E se o jovem entrevistado se expressasse como um funkeiro? Será que haveria algum segurança próximo a eles? Bem, eu sei que muitos devem achar que isso é preconceito. É, pode ser, mas fica a provocação. Neste momento lembrei que a área mais próxima ao campo, nos tempos do antigo Maracanã, era ocupada pela população mais pobre (era o lugar mais barato) ou então pelos super apaixonados pelo futebol que queriam ver tudo a beira do gramado. Os geraldinos fizeram história nesse estádio. Agora se foram, são outros tempos!
Também me fixei nas imagens que apareciam nos telões. Lá era mostrado um tipo de torcedor especial, diferente daqueles passionais que sofrem e explodem em alegria junto com o time. Os torcedores dos telões mostrados pela televisão eram simpáticos, alegres e comportados: não vaiaram a seleção, não gritaram nos momentos de tensão e responderam com fleugma ao empate conquistado a duras penas de um segundo tempo que foi difícil para o Brasil.
Voltando a pergunta que provocou esse meu momento: o que está acontecendo com o Rio?
Veja a experiência das favelas com UPP: agora, com segurança, os jovens bem nascidos podem frequentar eventos nessas favelas, lugares antes frequentados por uma população mais pobre e menos branca. Olhando para essas duas experiências, poderia afirmar que o Rio está embranquecendo. Será? Onde estão os outros, os geraldinos? Aqueles menos brancos e com muito menos possibilidades de pagar ingressos tão caros?
Bem, ainda não tenho a resposta. Mas acho que vou aproveitar essa onda de empreendedorismo e por em prática o meu (e de um amigo) projeto de criar uma ‘Agência de Povo’. Não vai demorar muito e é possível que emissoras de TV queiram contratar os serviços desta agência para compor cenários mais populares. O pedido será mais ou menos assim: “Quero 50 homens pretos e pardos, com cara bem rude, de preferência que entre eles tenha alguns com dentes imperfeitos e escolaridade variada. É muito importante que todos sejam apaixonados por futebol. Em proporção bem menor, mulheres, de preferência mulata de cabelo alisado, e uma ou outra de lábios mais grossos e cabelos frisados. Pode ter uma de boné. Nosso objetivo é reproduzir a diversidade do povo brasileiro.”
Ultimamente esse ‘objetivo’ tem se resolvido mais facilmente nos eventos das favelas pacificadas: os nativos ficam na periferia dos eventos, compondo a multidão que não consegue mais ingressos e se misturam ali, tomando cerveja do lado de fora, contribuindo para compor um cenário colorido e mais popular.
Novos tempos.