Natasha Isis
Do Canal Ibase
Para quem acompanhou de perto as manifestações que aconteceram no Rio de Janeiro e em São Paulo, uma coisa ficou clara: a indignação não é mais apenas sobre os R$ 0,20 de aumento. Os brasileiros que ocuparam as ruas nos últimos dias estão motivados pela crescente privação do seu direito à cidade, que foi gradativamente reduzido através de impostos, remoções de comunidades, violência gratuita das forças policiais e aumentos anuais nas tarifas do transporte público.“Privatizaram o nosso estádio, privatizaram o nosso direito de ir e vir… Agora, se a passagem não baixar, não vai ter Copa!”, gritavam os manifestantes durante o protesto realizado na última quinta-feira (13/6), no Rio de Janeiro. A referência feita ao Maracanã mostra como a reforma feita no estádio para atender às exigências da Federação Internacional de Futebol (Fifa) também contribui para a insatisfação geral dos cariocas, já que com o fim do antigo “Maraca” grande parte da população não terá mais condições financeiras de assistir aos jogos no local.
O que sai na televisão, porém, não é isso. Nesta sexta-feira (13/6), as redes sociais ficaram abarrotadas de comentários sobre as manifestações. E muitos deles se referem à cobertura da mídia sobre o fato, citando reportagens que acabam por reduzir o movimento, e até criminalizá-lo. Manchetes dos jornais chegaram a chamar os manifestantes de vândalos.
No discurso do poder público, os protestos também vêm sendo tratados como caso de polícia. E o assunto é sério, já que até mesmo um projeto de lei para tipificar o crime de terrorismo no Brasil está sendo estudado, incluindo brechas o suficiente para criminalizar de fato os movimentos sociais em seus atos públicos.
– Com a intenção de desmoralizar o movimento, logo dizem que a mobilização vem da classe média ou que existe um fundo político/partidário, o que não faz nenhum sentido. A reivindicação seria menos válida por partir de um certo grupo social? Mas, na verdade, o que vemos é uma movimentação espontânea, que não está vinculada a nenhum partido ou grupo específico. O povo foi para as ruas porque quis. O ato é político em si – disse a antropóloga Patrícia Lânes, autora da pesquisa ‘Jovens pobres e o uso das NTICS na criação de novas esferas públicas democráticas’, que revela como jovens de periferia usam as novas tecnologias da comunicação.
Em São Paulo, jornalista tem olho ferido durante manifestação

No entanto, a repressão policial não precisou de lei alguma para reprimir violentamente os manifestantes. No Rio, o clima era de tensão antes mesmo de o protesto começar. Os participantes, reunidos na Candelária, já chegavam ao local preparados para as possíveis bombas de gás lacrimogêneo, usando cachecóis como máscara e passando vinagre debaixo dos olhos para atenuar os efeitos. Durante a passeata, os policiais acompanharam de perto todo o percurso, mas foi na Avenida Presidente Vargas, quando muitos já tinham dispersado, que a confusão aconteceu.
– Chegando na Presidente Vargas todo mundo decidiu sentar no chão, na rua mesmo. Mas foi muito rápido, porque ouvimos uns estouros por perto… Aí os policiais logo vieram para cima da gente. Todo mundo saiu correndo – contou a estudante Daiana da Silva.
Em São Paulo, o confronto foi mais intenso. Durante toda a passeata a Polícia Militar usou da força para dispersar os manifestantes. Dois jornalistas levaram tiros de bala de borracha no rosto e existem relatos de estudantes que foram perseguidos dentro de um hospital, onde estavam buscando ajuda para uma amiga que passava mal por efeito do gás lacrimogêneo. Os relatos sobre o excesso de força por parte da polícia paulista só ganharam destaque na mídia depois de vários jornalistas terem sido agredidos ao cobrir as manifestações. Além disso, centenas de textos, vídeos e fotos que comprovam as atitudes exageradas dos policiais inundaram as redes sociais, tornando a mobilização maior, assim como a impossibilidade de ignorá-la.
– Esse movimento é mais um dos que podem ser caracterizados pela utilização das novas tecnologias. Agora, o Facebook e o Twitter são ferramentas não só de mobilização, mas também de criação de novas narrativas, desafiando a grande mídia – analisa Marina Ribeiro, pesquisadora do Ibase, também da equipe da pesquisa ‘Jovens pobres e o uso das NTICS na criação de novas esferas públicas democráticas’ .

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