Por Itamar Silva, coordenador do Ibase


Maracanã em obras. Crédito: Vanessa Cristani/Portal 2014

O futebol cumpre no Brasil papel de importante amortecedor das tensões sociais. Foi assim na conquista da Copa 70: “Noventa milhões em ação pra frente Brasil….” ajudou a embalar o lema “ame-o ou deixe-o”. Os desdentados mostrados pelos meios de comunicação na geral do Maracanã simbolizavam a paixão incondicional de um povo pelo futebol. Ao lado de tudo isso, o exército brasileiro estava atuando nos porões da ditadura e o “milagre econômico” permitia aos mais pobres comprar eletrodomésticos, em especial televisões, vendidos a 24 e/ou 36 prestações mensais. E o Maracanã era um santuário, orgulho nacional, o maior estádio do mundo, uma presença enorme dos geraldinos que, ao menos ali, eram personagens importantes.
Dando um salto no tempo, o Brasil se democratizou, o futebol se profissionalizou e se “midiatizou”. Hoje os estádios são importantes, mas não são tudo. A televisão define dias e horários das competições e os clubes recebem “um pixulé” pela concordância. Mesmo assim, os estádios cumprem um papel simbólico de “espaço popular”, lugar de integração e indiferenciação social. Ali, os diferentes se encontram unidos na paixão pelo futebol. É claro que a estratificação social se reproduz: camarotes, cadeiras, arquibancadas e existia a geral. Mas há uma percepção de que todos estão no mesmo espaço e ligados em um só objetivo – torcer pelos seus times.
Esta não é a primeira e nem será a última reforma no “ex-maior estádio do mundo”. Obras foram feitas em 1990, 1999 e uma intervenção mais substantiva para adaptá-lo para os jogos Pan-americanos de 2007. Nas últimas reformas foram gastos mais de 300 milhões de reais. E agora, o fato do Brasil sediar a próxima Copa do Mundo – 2014 – serviu de motivação para uma transformação radical do estádio, às custas dos recursos públicos.
Um bilhão de reais serão gastos na “reforma do estádio”, 50% a mais do que estava previsto no orçamento inicial. O governo justifica dizendo que está atendendo às exigências da Fifa. O órgão internacional diz que só faz recomendações. E a iniciativa privada está esperando o término da Copa para receber o presente e administrar o novo santuário, sem ter que se preocupar com as dívidas desta fase. É recurso público que, com certeza, fará falta nas escolas, nos hospitais e também na produção de habitação para a população de baixa renda nesta cidade.
A pergunta que não quer calar: qual o controle da população em torno do investimento público que está sendo feito no Maracanã? Esta obra, nesta magnitude, era necessária? Qual a prioridade dos investimentos público no âmbito dos grande eventos esportivos? Quem mais se beneficiará deste investimento, uma vez que os ingressos serão bem mais caros?
A cidade que está sendo desenhada para acolher a copa e as olimpíadas comporta que tipo de “povo”? Alguns dirão que esta é uma pergunta de militante chato, atrasado. No entanto, o acelerado encarecimento da cidade já evidencia que esta deve ser uma preocupação de todos, inclusive da classe média, a velha e a nova classe média. E os mais pobres precisam se mobilizar porque não têm alternativa. Ou lutam por processos democráticos e transparentes ou lutam por processos democráticos e transparentes. Há que se exigir debate público e compromisso político com a sustentabilidade e democratização das ações públicas que estão sendo realizadas em função dos “grandes eventos esportivos”. O geraldinos já foram banidos do estádio. Agora, as reformas em curso afastarão também aqueles que estavam no andar de cima.
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