Adriano Campolina, diretor da ActionAid/Brasil e Francisco Menezes, diretor do Ibase
Texto publicado no jornal O Globo
Resgatar milhões de pessoas da miséria não é só a proposta de um governo. O sonho é de todo um Brasil que reconstruiu sua democracia, reduziu desigualdades, desenvolveu-se com inclusão para muitos, alcançou protagonismo no cenário mundial, mas que assiste à negação de direitos essenciais a um grupo ainda deserdado da cidadania. A garantia desses direitos requer a mobilização de toda a sociedade e deve estar acima de mágoas eleitorais e disputas partidárias.
O Plano Brasil sem Miséria, recém-lançado pelo governo federal, apresenta propostas de políticas públicas para vencer essa mazela secular. O governo acerta ao chamar para si tal responsabilidade, mas não poderá abrir mão da participação da sociedade.
Foi a organização social que possibilitou as conquistas que alcançamos, e será ela a melhor guia para que as políticas públicas cheguem àqueles que até hoje lhes foram invisíveis. A mobilização da sociedade é crucial para que os acessos aos programas de garantia de renda, aos serviços públicos e à inclusão produtiva não sejam apenas benefícios, mas direitos de todos os cidadãos. Hoje, muitos municípios não preenchem o número estimado de famílias a serem atendidas e em alguns os “tetos” de quantas famílias serão atendidas representam limite à entrada de outras também elegíveis. Essa lógica deve ser invertida: se uma família tem esse direito, o Estado deve garanti-lo.
Os mais pobres precisam ter acesso assegurado aos serviços públicos. Devem ser incluídos automaticamente no Programa Saúde da Família e contar com creche e pré-escola próximas de onde moram, para que as mães possam buscar oportunidades de inclusão. Também devem ter acesso prioritário ao Minha Casa, Minha Vida, à alfabetização de adultos, à escolarização, água e luz. São esses serviços públicos que possibilitarão a cada um desses brasileiros romper com a exclusão social.
As políticas públicas devem mapear de forma mais ampla as iniciativas locais de combate à exclusão, como projetos de economia solidária, construção de cisternas e fortalecimento da agricultura familiar, projeto com maior capacidade de incluir de forma sustentável essa população e distribuir renda. Uma vigorosa reforma agrária, no campo, e a garantia do direito à moradia urbana devem complementar essas ações
A superação dessas causas e o ingresso de muitos na cidadania exigirão grande esforço. Por isso, é necessário criar um ambiente em que toda a sociedade acredite que chegou a hora de realizar esse sonho. Infelizmente, no mundo da pequena política e dos ressentimentos, haverá sempre os céticos de plantão. Não terão forças, no entanto, para deter a vontade maior, expressão que simboliza nossa história de lutas e esperanças, de Joaquim Nabuco e Josué de Castro até Betinho.
ADRIANO CAMPOLINA é diretor da ActionAid/Brasil. FRANCISCO MENEZES é diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).