Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase
A série de crônicas sobre novas narrativas, nas quais pretendo compartilhar, através das redes sociais, algumas buscas filosóficas e políticas em que estou empenhado como ativista cidadão, não tem um roteiro e tamanho estabelecido. Para mim, é um esforço de organizar pensamentos e, ao mesmo tempo, agir. Afinal, o sentido de minhas buscas é contribuir de algum modo, mesmo sendo um pequeno grão de areia, para a ação cidadã transformadora do poder, dos processos e das estruturas que sustentam a destrutiva e excludente civilização atual. O que parece impossível pode, sim, se tornar possível pela força da ação coletiva cidadã, motivada e determinada. Pode demorar e eu, com minha idade, provavelmente nem terei tempo de ver o desabrochar de algo totalmente diferente do que temos hoje. Vivo, porém, com a convicção de que as e os pequenos, que alegram nossa vida hoje, serão artífices de um novo amanhã. Meu pequeno grão de areia poderá ser necessário.
As alternativas sistêmicas são um patrimônio cultural e político presente no seio dos diferentes povos do Planeta Terra, mas existem de forma subordinada, dominada, colonizada. São nestas alternativas que precisamos nos inspirar para transformar o modo de produzir e viver no mundo globalizado pelas grandes corporações econômicas e financeiras, baseadas na lógica das forças de mercado em vistas da maior acumulação privada de riquezas, do domínio da natureza e do extrativismo, do patriarcalismo e racismo. Para “descolonizar-nos” e nos emancipar de tais produtivismo e consumismo destruidores, com o seus domínios mercantilizadores de tudo, precisamos valorizar as diferentes resistências e insurgências existentes, com o que carregam como alternativas civilizatórias aí presentes.
Não existe uma alternativa sistêmica para a diversidade do mundo. A diversidade é o que caracteriza a vida humana e os povos, seus modos de se organizar e interagir com a natureza para viver, suas culturas, filosofias, religiões. Diversidade é algo essencial na natureza, em todas as formas de vida, na biosfera, no nosso Planeta com suas florestas e desertos, montanhas e planícies, rios e mares, dias de chuva e de sol, zonas polares e tropicais. Porém, no mundo dominado pela civilização industrial, produtivista e consumista, do luxo e lixo, com bilionários e miseráveis, a diversidade está sendo dominada e destruída pela mercantilização. Toda diversidade cultural e natural existente no mundo está ameaçada de destruição. Alternativas sistêmicas a tal civilização são as que resgatam e recolocam no centro do pensar e viver a força da diversidade.
Resgatar as resistências políticas e culturais, as visões de mundo alternativas ao capitalismo e à modernidade eurocêntrica, como filosofia de vida e modo de pensar dominantes, tem sido uma tarefa necessária e urgente na busca de caminhos para uma transição sistêmica. Trata-se de reconstruir e fortalecer tais resistências naquilo que carregam de alternativas de pensamento e ação diversas ao processo homogeneizador e destruidor da diversidade existente pela globalização do capital econômico financeiro.
O caminho de construir alternativas sistêmicas é árduo. Precisamos começar por descolonizar nossos modos de observar, analisar, pensar, valorizar, filosofar, herdados do eurocentrismo hegemônico na ciência, na cultura e até nos estilos de vida que levamos. Nunca o olhar para o outro lado, para o dominado e para o esquecido foi tão importante como neste momento de grandes ameaças, sem dúvida, mas também de possibilidades de novos paradigmas civilizatórios. E, se não pode ser um único modo, um único paradigma alternativo, como construir uma civilização humana planetária assentada na diversidade?
A tarefa coletiva estratégica que temos é resgatar o comum na diversidade de povos, culturas e do Planeta, trabalhando em rede, produzindo conhecimento de forma compartilhada, tudo a partir de onde estamos e vivemos, reconhecendo nas outras e outros a sua fundamental contribuição. Considero que o comum pode ser construído a partir das intenções e dos objetivos que movem resistências e buscas, extraindo daí a força da unidade na diversidade. Uma tal atitude de humildade e respeito, de horizontalidade e valorização dos e das diferentes, de busca compartida, já é em si uma transformação intelectual e política. Estaremos assumindo uma posição estratégica e revolucionária no modo de pensar e nas nossas práticas, no ativismo cidadão, negando todo protagonismo a priori. A troca e a articulação passam a serem formas de pensar, de analisar e nos fortalecer mutuamente.
Precisamos definir nossas condições de partida para novas narrativas. A diversidade, em termos humanos, só pode ser valorizada e articulada se a qualificarmos a partir de um princípio ético fundante de que todas e todos somos iguais em nossa diversidade. Esta é uma incontornável questão, pois não existem povos e culturas uns melhores que outros. Temos iguais direitos de compartir o bem comum maior – o Planeta e a vida – com sonhos, desejos e modos de viver muito diversos. Uma segunda condição indispensável é reconhecer que o mundo se move por força ecossocial, nem só pelos sistemas ecológicos, como nem só pela ação humana, sua ciência e tecnologia. É na combinação orgânica, dependência mútua e no cuidado da interação entre sistemas ecológicos que movem a natureza e a capacidade criada pela humanidade, que residem as alternativas sistêmicas. O crescimento puxado pelo desenvolvimento capitalista baseado na ciência, na tecnologia, na economia verde é uma versão do mesmo caminho destruidor. Isto não quer dizer que as conquistas científicas e técnicas da humanidade são inúteis. O que precisamos é voltar a vê-las e utilizá-las com precaução, pois não são a ciência e a técnica que movem a vida e a lógica dos sistemas naturais. Elas apenas potencializam a ação humana na relação com a natureza ou a tornam força destrutiva, sem volta. Pensar em termos ecossociais é pensar que, hoje, lógicas ecológicas e lógicas humanas se entrelaçam na produção do futuro do Planeta Terra e da humanidade que nele coabita.
Com tais parâmetros mínimos de partida, podemos começar mapeando as diversas alternativas visíveis e seguir buscando as muitas outras invisíveis, ou invisibilizadas pela dominação e colonização de nossos olhares, mentes e corações, do desenvolvimento sem alternativas que nos é proposto e imposto hoje. Isto vai nos permitir poder se articular com ambiciosos projetos investigativos que pipocam pelas trincheiras de resistência no mundo todo. Esta me parece uma base fundamental para produzir vigorosas e convincentes narrativas, disputando imaginários, valores, direções e propostas para a sociedade concreta e territórios que são nossos comuns de vida e trabalho, nossos endereços neste maravilhoso Planeta. Precisamos fazer isto com convicção de que ainda podemos salvar o mundo diante da ameaçadora mudança climática. Não podemos nos resignar diante de uma polarização entre a barbárie, com fascismo e autoritarismo, criando muralhas e fortalezas para minorias privilegiadas, de um lado, e o domínio sem alternativas do capitalismo e seu desenvolvimento, puxado pelas forças do mercado, que premia os mais competitivos e vitoriosos, concentrador de riquezas e excludente.
Como nos lembra a canção da transição da ditadura para a democracia no Brasil, não dá para esperar: “…esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
Rio de Janeiro, 05/03/18