Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase

Penso que não preciso refirmar aqui uma convicção minha de que é necessário e ainda possível criar alternativas ao sistema produtivista, consumista, concentrador e socialmente excludente, destruidor da natureza, movido pelas forças de mercado em busca de lucros e acumulação, que hoje domina o mundo inteiro. E não será com barbárie que poderemos enfrentar isto tudo, nem com mais patriarcalismo, racismo, xenofobia, fundamentalismos ou fascismos, com mais violências e guerras, como alguns salvadores da pátria andam pregando por aí.
Apesar de sermos grandes maiorias no Sul e no Norte, no Leste e no Oeste, que resistimos a isto tudo, nós ainda não criamos movimentos de cidadania enraizados nos vários territórios e suficientemente fortes para tornar efetiva a emergência de uma civilização alternativa. O que nos falta? Uma onda transformadora de tudo o que ameaça no nosso futuro compartilhado como humanidade, respeitando a integridade do Planeta Terra – nosso grande bem comum – e a vitalidade das diferentes culturas, depende de sonhos e imaginários, de filosofias ativas, de valores e projetos também compartilhados. Afinal, a própria humanidade se tornou uma força ecossocial capaz tanto de destruir como regenerar. Estamos diante do desafio de construir hegemonia de ideias-força de civilização humana sustentável em termos socioambientais, como alternativa à globalização capitalista e à barbárie.
Uma questão central em qualquer disputa de hegemonia são as narrativas que vão de encontro com nossas identidades, nossa cultura e dignidade, nossas raízes e nossos sonhos. É um processo de afirmação de valores e ideias de vida diante de valores e ideias de lucro e acumulação. Por isto, construir hegemonia é, ao mesmo tempo, desconstrução e descolonização do que nos é imposto. Precisamos de grandes narrativas, de histórias que sejam construídas em outras bases. Penso dar certa prioridade a tal questão nas minhas crônicas. Já existem potenciais narrativas sistêmicas em construção, como os comuns, o ecossocialismo, o ecofeminismo, o bem viver, as propostas de paradigmas biocêntricos, entre tantos outros. Começo trazendo aqui alguns elementos do cuidado como base de uma nova economia, princípio comum a todas estas narrativas.
O cuidado é um princípio central nas diferentes visões e propostas do feminismo. Em relação à economia do cuidado, lembro aqui reflexões da feminista e economista política Nancy Folbre, da University of Massachusetts Amherst. Ela desafia a “mão invisível do mercado” de Adam Smith com o conceito de “coração invisível” para pensar a economia nessa perspectiva. Segundo ela, os economistas “…devem parar de supor que o próprio interesse perfeito dirige o mercado e que o altruísmo perfeito engrandece o lar. Ambos, as famílias e os grandes sistemas econômicos de que elas são parte, devem encorajar e estimular compromissos iguais com o cuidado dos outros e com o nosso ecossistema planetário” (em livre tradução).¹ Entre nós, Leonardo Boff tem dado atenção especial ao princípio do cuidado para a busca de sustentabilidade. Em suas palavras, “O cuidado representa uma relação amorosa, respeitosa e não agressiva para com a realidade e por isso não destrutiva. Ela pressupõe que os seres humanos são parte da natureza e membros da comunidade biótica e cósmica com a responsabilidade de protegê-la, regenerá-la e cuidá-la. Mais que uma técnica, o cuidado é uma arte, um paradigma novo do relacionamento para com a natureza, para com a Terra e para com os humanos”.
Neste meu esforço de buscar narrativas alternativas ao pensamento econômico dominante do “homo economicus”, tive a satisfação de ler o paper de Thera van Osch², de 2013, que explora exatamente a mudança de paradigma, propondo um modo de pensar a economia a partir do “cuidado dos seres humanos”. Nas suas palavras, em livre tradução, “A Ética do Cuidado inspirada pelo movimento das mulheres é uma promissora nova abordagem filosófica. Ela representa uma compreensão de gênero alternativa à abordagem dominante do utilitarismo na política, na economia e na vida social. O paradigma do ´cuidado dos seres humanos´ é multidimensional, reconhece a interdependência mútua entre indivíduos e valoriza emoções junto com a racionalidade do utilitarismo”. O cuidado está presente nos valores atitudes e práticas, tanto nas relações entre as pessoas, como com o meio ambiente. Afirma que cuidado é uma experiência humana universal, presente entre nós, todo dia e em todo lugar. Para o propósito desta minha crônica, concluo com uma definição para o modelo básico da Economia do Cuidado, sempre em tradução livre. Nas suas palavras, “O modelo da Economia do Cuidado é uma abordagem que faz do ´Cuidado´ o ponto de partida e a força impulsora da economia. Ele não é sobre privatização e mercantilização do setor de cuidado. É uma abordagem econômica centrada nos seres humanos e ecologicamente amigável. Ela é uma abordagem holística. As relações mútuas e interdependentes entre homens e mulheres em toda a sua diversidade e entre pessoas e o ambiente natural são centrais para a economia do cuidado.”
Continuarei nesta busca e compartilharei através de minhas crônicas, sempre que alguma questão cidadã de conjuntura não se impor à minha reflexão de ativista como inadiável.
Rio de Janeiro, 04/02/18
 
Notas:
1 – Nancy Folbre, “Measuring Care: Gender, Empowerment, and the Care Economy”. Journal of Human Development, Vol.7, No. 2, July 2006.
2 – Thera van Osch. Towards a Caring Economic Approach, Netherlands, May 2013

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