Sandra Jouan
Coordenadora do Ibase
 

Acordamos no dia 01/09 incrédulos? Descrentes? Não, acho que acordamos com a sensação que precisamos lutar muito mais, para que fatos como estes não voltem a acontecer jamais. Como dizia Chico Buarque “a gente quer ter voz ativa. No nosso destino mandar, mas eis que chega a roda-viva e carrega o destino para lá”. A sordidez, a desfaçatez dos políticos do Congresso Nacional nos choca espelhando a calhordice, o quanto estes sujeitos são aproveitadores sem escrúpulos que querem sempre ter o privilégio de serem privilegiados. Ter posições contrárias faz parte do jogo democrático, mas agir sem ética compartida, sem compromisso com a transparência, com armações parlamentares em prol de interesses individuais e de mercado, nos coloca num plano político temeroso. A jovem democracia brasileira é violentamente agredida, violada, torpedeada, causando uma ruptura num processo político que primava pela defesa de direitos, políticas sociais ampliadas e um profundo respeito aos valores democráticos.
O discurso brilhante do advogado de defesa José Eduardo Cardozo e a fala contundente da presidenta Dilma Rousseff no julgamento do impeachment evocam claramente a manobra do golpe que, como Cardozo mesmo afirmou, “não se fazem com tanques ou armas”, mas através de maniqueísmos parlamentares, levando a destituição da presidenta legitimamente eleita com pouco mais de 54 milhões de votos de brasileiros/as e, somente sem comprovação de dolo, poderia ser destituída pelo voto, instrumento máximo da soberania popular. Derrubaram a decisão popular e os que perderam nas urnas, usurparam o poder, engessaram a democracia.
Peço desculpas à geração futura, nossos filhos e filhas, netos e netas, por não termos tido a força política de impedir este retrocesso. Lutamos, mas não o suficiente para não permitir a instauração dessa “interrupção temporária”, que tantos retrocessos estão trazendo e trarão ao povo brasileiro, como podemos verificar pelos atos já propostos da criminalização dos movimentos sociais, redução da idade penal, congelamento de gastos públicos por 20 anos, privatização dos bens públicos e da natureza, retirada de direitos trabalhistas e previdenciários. Não me incluo neste Brasil defendido pela advogada Janaína Paschoal, mas num Brasil que aposta no bem viver, de direitos iguais, de solidariedade e participação ativa.
O momento não é de desânimo. A crise política e econômica pela qual passamos deve ser propulsora de novas mudanças. É momento de traçarmos novos caminhos, de denunciarmos este absurdo retrocesso, de rever erros e acertos e fundamentalmente, de se ampliar a atuação política e fortalecer a cidadania ativa que venha contribuir para estruturação das bases sociais que serão, de fato, os grandes agentes de mudança de nossa sociedade. Como diz o diretor do Ibase Cândido Grzybowski “devemos reencontrar aquilo que nos une na diversidade do que somos e desejamos, descobrindo que temos mais visões e propostas comuns do que as que nos separam.”
Já tivemos muitos momentos tristes de nossa história, muitos vivenciados, as crises fazem parte do processo democrático, entretanto, acredito que devamos manter nossa confiança e capacidade de contribuir para construção de um mundo melhor, solidariamente mais igual.
Aos Nossos Filhos
(Ivan Lins)
Perdoem a cara amarrada,
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço,
Os dias eram assim
Perdoem por tantos perigos,
Perdoem a falta de abrigo
Perdoem a falta de amigos,
Os dias eram assim
Perdoem a falta de folhas,
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha,
Os dias eram assim
E quando passarem à limpo,
E quando cortarem os laços
E quando soltarem os cintos,
Façam a festa por mim
Quando largarem a mágoa,
Quando lavarem a alma
Quando lavarem a água,
Lavem os olhos por mim
Quando brotarem as flores,
Quando crescerem as matas
Quando colherem os frutos
Digam o gosto para mim

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