Cândido Grzybowski, sociólogo e associado do Ibase
Na semana decisiva do processo eleitoral, o grande desafio estratégico revela-se com contundência na disputa. Não se trata só de decidir sobre que governo e que políticas queremos para o difícil momento coletivo de exclusões sociais e destruições ambientais. Essencialmente, estamos diante de uma decisão sobre viver e disputar em democracia ou não – como institucionalidade e bem comum estratégico, conquistada em 1988. Levamos tempo para entender que está instalada entre nós uma espécie de guerra civil de caráter político e ideológico, de princípios e valores do viver em coletividade compartilhada, de reconhecimento mútuo de direitos iguais na diversidade. Como em todas as batalhas assim, que provocam grande mobilização e polarização, configura-se um espaço público de disputas carregado mais de emoções do que de ideias.
De fato, a imaginação política sobre projeto de país “saboroso de viver” não está claramente focada na disputa. A disputa parece não destacar que se trata de resistir com o que ainda temos de democracia ou deixar o autoritarismo avançar com sua sanha de desconstrução institucional e destruição ecossocial de direitos conquistados até aqui. Como analista mais do que ativista, vejo que temos sim condições de ganhar nas urnas no dia 30 próximo. Mas tenho menos certezas sobre se nos damos conta que esta é uma batalha não definitiva; só estaremos impedindo o pior. Na verdade, estamos selando um compromisso coletivo para o futuro imediato, não de todo consciente, de continuar uma luta no dia a dia dos próximos quatro anos de um governo Lula. Como cidadanias em ação, precisamos nos dispor a uma ação contínua de mobilização e participação, capaz de garantir a própria efetividade da democracia em criar sua resiliência ao reconhecer direitos e garantir políticas ecossociais que os tornem irreversíveis.
Diante dessas perspectivas, a tarefa mais urgente é enfrentar a direita que saiu do armário e que está nas ruas escondendo-se atrás dos símbolos nacionais, com todo o seu arsenal de ódios e intolerâncias, violência armada e depredação do imenso bem comum que nos cabe zelar pela integridade, como garantia de futuro possível. Pior, apelou para valores morais e religiosos, camuflando o seu discurso. Penso que tal visão estratégica da democracia em questão, bem ou mal, é o cimento agregador que sustenta a onda possível de resistência ao autoritarismo vivo em nosso seio. A direita contaminou o ambiente e se valeu de descaradas mentiras e notícias falsas em redes sociais para produzir a fratura social que assistimos. Penso que ainda não temos clareza dos enormes desafios que teremos pela frente. O compromisso que destaquei será uma tarefa imediata a definir democraticamente, dada a realidade do poder e da economia, com a sua ditadura de mercado, que está por trás e sua enorme capacidade de vetar mudanças necessárias aqui e agora.
Nesse momento eleitoral decisivo do segundo turno, estamos apostando na possibilidade de continuar lutando democraticamente pela emancipação e justiça ecossocial, superando antigos e novos obstáculos. Estamos definindo as condições e obrigações para a luta democrática que precisará de mais vigor alimentado pelas cidadanias em ação, única força constituinte e instituinte legítima em democracias de alta intensidade.
(*) artigo publicado originalmente no site Sentidos e Rumos
Foto de Maicon Douglas/Arquivo Ibase