Raquel Junia
texto originalmente publicado no site da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz)
O Brasil tem mais de 51 milhões de pessoas com idade de 15 a 29 anos, quase o mesmo tamanho de toda a população dos estados de São Paulo e Paraná juntos. É essa parcela de brasileiros, considerada jovem, que agora poderá ter direitos assegurados em um documento – o Estatuto da Juventude – aprovado recentemente na Câmara dos Deputados. A proposta ainda precisa ser apreciada pelo Senado e sancionada pela presidente Dilma Roussef, mas de acordo com a relatora do projeto, a deputada federal Manuela D’avila (PCdoB/RS), a expectativa é que o Senado também a aprove. “Até porque o texto é passível de melhorias, há espaço para isso no Senado, caso os debates apontem nesse sentido”, afirma. “Em linhas gerais, o Estatuto é avançado e configura direitos importantes. Contudo, ele parece ser a síntese possível do campo contraditório de interesses entre agentes públicos e privados, entre concepções laicas e proselitismos religiosos, entre influências liberais de organismos internacionais e a busca por um estatuto de financiamento público e estatal das políticas públicas no Brasil, entre o princípio do cooperativismo nos agenciamentos laborais juvenis e a ideologia do empreendedorismo individualizante, etc”, analisa Paulo Carrano, professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro.
Em 14 páginas, o Estatuto apresenta princípios e diretrizes das políticas públicas de juventude, uma série de direitos dessa parcela da população e também propõe a criação da Rede e do Sistema Nacionais de Juventude. As garantias apontadas pelo estatuto incluem direitos à participação política, à educação, à profissionalização, trabalho e renda, à igualdade, à saúde integral, à cultura, comunicação e liberdade de expressão, ao desporto e lazer, à cidade e a mobilidade e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O PL 4529, que cria o Estatuto da Juventude, tramita na Câmara dos Deputados desde 2004. “Esta aprovação é um marco histórico. Primeiro porque reconhecemos a juventude e sua importância. Segundo, porque as políticas públicas serão do Estado e não mais de governos. Não deixarão, portanto, de existir independentemente de quem governe o país. Garantir acesso à educação integral e a condições mínimas de desenvolvimento é um passo muito importante para o futuro do nosso país”, afirma Manuela D’avila.
A professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Maria Lúcia Cardoso, coordenadora do Observatório Juventude, Ciência e Tecnologia, acredita que o Estatuto pode ser um marco no processo de legitimação e reconhecimento da juventude. “A juventude se transforma numa questão, com peso político maior, à medida que se tem um estatuto. Basta olharmos para trás para vermos o que aconteceu a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A mídia se volta para o tema, passa a existir um controle social também maior. Embora o Brasil tenha avanços significativos, as políticas de juventude são ainda muito incipientes, são recentes e a juventude ainda é um tema marginal. E agora poderá ocupar um espaço político e no discurso da sociedade. Os próprios jovens poderão se apoderar nesse sentido”, comenta.
Educação
No campo da Educação, o Estatuto assegura o ensino fundamental obrigatório e gratuito a todos os jovens e afirma que o Estado deve priorizar a universalização da educação em tempo integral. Afirma também que é dever do Estado assegurar ao jovem a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino médio, inclusive com a oferta de ensino noturno regular. Já em relação ao ensino superior, o texto fala que o direito do jovem a esse nível de ensino pode ser efetuado tanto em instituições públicas quanto privadas. O professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenador do Observatório Jovem do Rio de Janeiro (ObsJovem), Paulo Carrano, chama atenção para o fato de no primeiro artigo da seção destinada ao direito à educação, que trata do ensino fundamental gratuito e obrigatório, o documento não fazer menção à educação pública, mas apenas gratuita. “Temos que ser vigilantes neste ponto, pois pode-se ter aberto a possibilidade de justificativa para a consolidação de mecanismos de financiamento público para iniciativas educacionais privadas que assegurem gratuidade da oferta. Esta é uma das ‘taras’ liberais com o chamado ‘cheque educação’, que pretensamente garantiria o direito das famílias de procurar no mercado educacional o estabelecimento de ensino que parecer adequado. Trata-se, em ultima instância, de mercantilização do ensino com consequências desastrosas para o aumento da desigualdade educacional”, alerta. O professor lembra o caso do Chile, que decidiu por esse caminho na oferta da educação, e já há algum tempo está em uma “crise educacional” com forte questionamento por parte da população sobre a ausência do direito de estudar em instituições públicas e de qualidade.
Outra lacuna no projeto, de acordo com a professora Maria Lúcia, diz respeito às políticas de ciência e tecnologia. No artigo 12, o Estatuto assegura que “o jovem tem direito à educação profissional e tecnológica, integrada aos diferentes níveis e modalidades de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, desenvolvida em articulação com o ensino regular, em instituições especializadas”, entretanto, para ela, o artigo não altera a situação de falta de articulação entre as políticas de ciência e tecnologia e as políticas de juventude. “O que temos de concreto de política para jovens em termos de ciência e tecnologia são alguns poucos programas de bolsa. O Estatuto não avança nisso, simplesmente cita a ciência e tecnologia como parte do direito à educação profissional e tecnológica. A própria redação é bastante confusa. Não enxergamos nesse Estatuto o papel do jovem dentro do desenvolvimento científico e tecnológico do país”, observa. A professora considera, no entanto, que o tema não foi incluído como deveria justamente porque não há grupos organizados com essa preocupação. “Se observarmos outros temas, como a diversidade sexual, por exemplo, percebemos que o que foi colocado é fruto de pressão de grupos que estão discutindo a questão. No caso da ciência e tecnologia, não existem pessoas e grupos preocupados com o tema”, diz. A raiz do problema, de acordo com Maria Lúcia, é justamente essa desarticulação da ciência e tecnologia com as outras áreas.
A professora reforça a necessidade de se criar programas de vocação científica voltados para os estudantes de ensino médio. “A maioria das iniciativas no Brasil se restringe à oferta de bolsas de pesquisa, não são exatamente programas. Há um passo grande a ser dado para que essa oferta de bolsas se torne uma proposta pedagógica de introdução do jovem à ciência e tecnologia. E quanto mais cedo se estimula, mais possibilidade se tem desses jovens ingressarem em uma carreira científica. O Estatuto poderia ser um espaço para se colocar essa questão como uma preocupação do Estado para que os jovens tenham essa alternativa de formação profissional e de carreira”, reforça.  Maria Lúcia ressalta que os programas até então pensados para a escolarização e qualificação profissional da juventude, como o ProJovem, não trabalham na perspectiva da ciência e tecnologia, mas muitas vezes apostam em cursos de curta duração, com pouco ou nenhum investimento em pesquisa. “Quando falamos de ciência e tecnologia, não se pode confundir com acesso a computador ou a celular. Estamos falando em poder fazer ciência e tecnologia. Quando olhamos para as unidades de pesquisa e de pós-graduação, o público que está lá não é composto por pessoas de origem pobre, já mudou um pouco, mas ainda existe uma grande desigualdade no acesso”, ressalta.
Saúde Integral
O Estatuto da Juventude assegura que “todos os jovens têm direito a saúde pública, de qualidade, com olhar sobre as suas especificidades, na dimensão da prevenção, promoção, proteção e recuperação de forma integral”. O texto aponta o Sistema Único de Saúde (SUS) como fundamental no atendimento ao jovem e afirma que ele deve se adequar às especificidades da juventude. Para o presidente do Conselho Nacional de Juventude, Gabriel Medina, o Estatuto avançou bastante no tema da saúde. “O Estatuto indica que é no SUS que o jovem deve ser atendido, e como o SUS já coloca o princípio da equidade, ou seja, entender as diferenças entre as pessoas e tratá-las dentro do sistema, o Estatuto também trabalha com essa concepção, de que é preciso formar os profissionais da saúde para que entendam o que é a condição juvenil. Porque a saúde é uma das áreas que reforçam o estigma do jovem problema, principalmente com relação à gravidez, drogas e violência”, diz. Gabriel detalha que além dessa visão do “jovem problema” há também outra, igualmente complicada, que considera que a juventude não precisa de atenção em saúde porque ser jovem significa ser saudável. Para ele, o Estatuto garante condições para o tratamento da saúde da juventude com outro olhar.
O texto do Estatuto também apresenta como diretriz o desenvolvimento de ações articuladas com as escolas para que temas como consumo de álcool, drogas, doenças sexualmente transmissíveis, planejamento familiar e saúde reprodutiva sejam desenvolvidos nos conteúdos curriculares. Além disso, sugere a inclusão no conteúdo curricular de capacitação dos profissionais de saúde de temas sobre saúde sexual e reprodutiva. Outra articulação sugerida pelo Estatuto é entre as instâncias da saúde e da justiça no enfrentamento ao abuso de drogas, substâncias entorpecentes e esteróides anabolizantes.
A coordenadora da Área técnica de Saúde do Adolescente e Jovem do Ministério da Saúde, Teresa de Lamare, reforça que a saúde da juventude deve ser pensada de forma intersetorial. “O que mais tem causado problemas à juventude são as causas externas, então, não é a condição do jovem em si, mas o que está em volta dele, são as questões econômicas e sociais que têm interferido muito na qualidade de vida da população adolescente e jovem”, diz. Tereza de Lamare assegura que o Ministério da Saúde tem feito ações articuladas com outros ministérios, como o da Educação e das Cidades. “Sabemos que, hoje, a principal causa de morte de jovens infelizmente são os homicídios, principalmente dos jovens negros e pobres, de periferias, então, temos um trabalho intenso nessa área, que começou na época do Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania [Pronasci], com a Secretaria de Justiça, e hoje há um trabalho que está sendo irradiado junto às secretarias de Direitos Humanos, de Mulheres e de Igualdade Racial”, relata.
Tereza acredita que o principal desafio da Política de atenção à saúde do jovem, garantida no Estatuto, é integrar as diversas ações. “É preciso fortalecer essas ações integradas no território, onde há serviços para a população. Que os coordenadores das políticas de educação, da saúde, de esportes, da assistência social, possam juntos pensar como aproveitar espaços no território onde o jovem está”, aposta.  Ela diz que há um esforço do Ministério da Saúde para capacitar os profissionais de saúde de forma que eles não tenham a visão do “jovem problema”. “O Ministério da Saúde tem dado uma ênfase muito grande no sentido de não fazer uma equação matemática de que jovem é igual a problema, jovem é igual ao uso inadequado de álcool e outras drogas, porque são essas condições que muitas levam o jovem a uma situação sem saída, já que ele não tem as políticas para sustentá-lo”, complementa.

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