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Cuidar do Mercosul é cuidar do Brasil e de seus parceiros regionais

O grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI) divulgou ontem esta nota sobre o debate em torno da flexibilização do Mercosul, amplamente difundido pela mídia comercial. O GR-RI é um espaço de reflexão e proposição sobre a política externa brasileira que reúne representantes de movimentos sociais, partidos, sindicatos, governo, pesquisadores e organizações da sociedade civil, entre elas o Ibase. Segue abaixo a íntegra da nota:
“Com alarmante frequência têm surgindo na mídia, no Congresso, em âmbitos empresariais e, mais recentemente, na voz de algumas autoridades governamentais opiniões favoráveis à “flexibilização” do Mercosul de modo a transformá-lo em mera área de livre comércio. Há ainda alguns que desejam a própria extinção do bloco.
Argumenta-se que o Mercosul é um “fracasso” e que a sua união aduaneira, ao exigir a formação de um consenso prévio na negociação conjunta de acordos comerciais extrabloco, impede maior participação dos Estados Partes nas cadeias produtivas globais e nos grandes fluxos comerciais internacionais. Segundo essa visão cética em relação ao Mercosul a “solução”  seria o abandono da união aduaneira, para permitir que os países do bloco possam negociar livre e separadamente acordos de livre comércio com os EUA, a União Europeia, a China e outros global players.
Na opinião do GR-RI, tal visão é inteiramente equivocada e resulta de um crasso desconhecimento da dinâmica do Mercosul, das complexidades inerentes às negociações comerciais e da nova geoeconomia que vem se conformando em nível global.
O Mercosul não é um fracasso. Ao contrário, esse bloco, mesmo com suas conhecidas insuficiências e incompletudes, é claro êxito. O comércio intrabloco cresceu, nos últimos 15 anos, bem acima do crescimento do comércio mundial. Mais importante ainda, o comércio extrabloco do Mercosul também aumentou acima do crescimento do comércio global, no mesmo período considerado. Portanto, a hipótese de que o Mercosul seria um fracasso e estaria impedindo maior participação dos Estados Partes nas cadeias produtivas globais simplesmente não tem base empírica.
Ressalte-se que o Mercosul, ao contrário do que afirmam seus críticos, não é um bloco autárquico. Na realidade o Mercosul, conforme determina o artigo 20 do Tratado de Assunção, é um bloco aberto à adesão de qualquer país da Associação Latino-americana de Integração (ALADI). O Mercosul já tem comércio com toda a América do Sul e, no campo extrarregional,  negocia a intensificação de seus fluxos de comércio em condições justas para nossas economias. No caso da negociação com a União Europeia, por exemplo, os avanços emperram na sua Política Agrícola Comum (PAC) que obstaculiza o entrada dos produtos mais competitivos do Mercosul no mercado europeu.
A atuação do bloco em negociações de comércio é cercada, contudo, das cautelas e salvaguardas necessárias para evitar danos irreversíveis aos setores econômicos dos Estados Partes, particularmente as suas indústrias, já afetadas, em alguns casos, por um processo de desnacionalização que limita a capacidade de inovação tecnológica e de indução do desenvolvimento ao longo das cadeias produtivas.
Para o Brasil, em particular, o Mercosul e a integração regional propiciam, mesmo na  atual crise, um mercado fundamental para nossa combalida indústria de transformação.
Além disso, o Mercosul vem ampliando uma agenda que transcende a dimensão econômico-comercial, envolvendo direitos humanos, institucionalidade democrática, educação e cultura. Vem fazendo lentos mas significativos progressos no que tange ao imprescindível enfrentamento das assimetrias regionais, à livre circulação de trabalhadores, à instituição de órgãos supranacionais e à construção de uma cidadania comum na região, objetivo maior do processo de integração. O Mercosul tem uma clara dimensão política que ultrapassa suas conquistas comerciais e econômicas para os países membros.
Para o Brasil e os demais Estados Partes, o Mercosul confere fundamental vantagem estratégica. A construção de sinergias econômicas e comerciais, baseada na união aduaneira, permite aos Membros do bloco negociar, em condições mais vantajosas das que seriam possíveis obter de forma isolada, sua inserção na globalização assimétrica. Tal vantagem estratégica é ainda mais acentuada, em contexto de crise econômica mundial, de ameaças ao regime multilateral de comércio e de acirramento dos embates comerciais.
Nesse contexto, o abandono da união aduaneira e a celebração célere e isolada de acordos de livre comércio com grandes potências econômicas, como querem os detratores do Mercosul, seria trágico erro. Lembre-se que, além das grandes assimetrias entre as partes, tais acordos contêm cláusulas relativas à propriedade intelectual, às compras governamentais e ao regime jurídico dos investimentos, que podem comprometer, em definitivo, o espaço para a construção de políticas industriais e de desenvolvimento tecnológico.
Assim, a extinção da união aduaneira e a celebração isolada e açodada de tratados de livre comércio poderia até agradar, no curto prazo, a alguns grupos econômicos internacionalizados, ou aqueles setores locais que desistiram de uma inserção mais qualificada na economia global, mas significaria golpe mortal para o desenvolvimento econômico futuro dos Estados Partes.
No entendimento do GR-RI, a solução para o Mercosul e seus Membros, nesse contexto de crise mundial e regional, não é menos integração, mas sim mais integração. Portanto, o processo de integração deve ser intensificado e acelerado, mediante a constituição de amplas cadeias produtivas regionais, o combate intenso às assimetrias entre os Estados Partes, o enfrentamento decidido dos problemas sociais do bloco e avanços definitivos e irreversíveis na construção da cidadania comum do Mercosul, sem prejuízo de negociações comerciais extrabloco que preservem, em seus resultados, a capacidade dos Membros de promover políticas de desenvolvimento, industriais e de inovação tecnológica.
Nesse sentido, o GR-RI apela a todas as forças progressistas dos Membros do Mercosul a que se oponham a essa tentativa de desintegração do bloco que é, em última instância, a desintegração de um futuro de desenvolvimento e de justiça social para as populações mercosulinas. E, neste momento, o Brasil tem uma responsabilidade especial por ocupar a Presidência Pro-Tempore do bloco.
Por último, o GR-RI demanda ao Ministério das Relações Exteriores a constituição urgente do prometido Conselho Nacional de Política Externa, de modo a que a sociedade civil brasileira possa participar ativamente do debate sobre o futuro do Mercosul e outros temas igualmente relevantes das relações internacionais do Brasil.”
 
 

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