Crédito: Agência Brasil
Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
Já passaram uns tantos carnavais desde que entrou na agenda política brasileira a reforma política. É só aparecer um escândalo que o tema volta. Mas sem novidades, pois as propostas são sempre um eterno requentar do debate. Também, de onde nada pode se esperar, nada virá mesmo. Há um vício de origem no debate do tema. Ele é definido segundo interesses político-partidários mais imediatos do nosso Congresso Nacional, nada tendo a ver com respeito à soberania popular, à maior participação cidadã e à maior democratização, demandas da sociedade. Os nossos deputados e senadores tendem a pensar no seu bolso e no seu grupo, não no bem comum, lamentavelmente. Como Legislativo, eles são mais uma confederação de interesses corporativos e pouco, muito pouco, uma verdadeira representação da diversa e multifacetada cidadania da nação Brasil e um espaço de disputa democrática do possível.
Diante desse quadro, é normal que o Congresso e, extensivamente, os políticos sejam mal avaliados e sem credibilidade. Ainda mais que o Congresso virou, ao longo do tempo, refúgio para a busca de imunidade parlamentar. Essa grande instituição da democracia não pode ser refúgio para o ilegal e o antidemocrático. Ela é feita para representar a cidadania e não para proteger contraventores e corruptos ou para defender interesses corporativos, seja lá de quem for.
De um ponto de vista democrático radical, essa é uma grande contradição, pois é especialmente no foro privilegiado de um Congresso representativo que os conflitos sociais e a luta de classes podem deixar de ser destrutivos ou paralisantes da própria sociedade. Pela negociação política e disputa democrática de ideias e propostas, o Congresso numa democracia tem a função de criar e construir leis e políticas que legitimem direitos cidadãos, definam responsabilidades e implementem a igualdade, respeitando a diversidade, em todas as relações.
Nunca é demais lembrar que o segredo e a força da democracia é trazer a luta de classes para a arena política e aí, pelas regras concertadas entre desiguais e diversos, transformá-la em força construtiva. Trata-se de criar condições institucionais para a justiça social e a plena cidadania, ética e politicamente possível naquele momento.
Uma iniciativa da própria cidadania, uma coalizão contra a corrupção eleitoral, desempatou o debate da reforma política e está começando a promover fundamentais mudanças. Valendo-se da possibilidade de iniciativa popular, prevista na nossa Constituição, foi introduzida na realidade política do Brasil a “ficha limpa” para disputar representação eleitoral. Com as assinaturas necessárias, o Congresso não teve como não se dobrar à vontade da cidadania e aprovou a lei. Muitos percalços legais ainda foram levantados, tentando impedir a aplicação da Lei da Ficha Limpa. Mas agora, com uma decisão final do Supremo Tribunal Federal (STF), ela é para valer já.
A ficha limpa vai limpar a arena política. E é bom que comece para valer nas eleições municipais deste ano, para Câmaras Municipais e para prefeitos, num processo de baixo para cima na nossa estrutura política. Limpar não é ainda mudar, mas é algo essencial de um ponto de vista cidadão e democrático. Com a ficha limpa se restabelece a ética na política, condição indispensável para qualquer mudança democrática. É como instaurar uma revolução silenciosa, botando abaixo práticas e costumes que contaminam nossas instituições.
O bom é que o princípio da ficha limpa está pegando e se alastrando para o conjunto do Estado. Vamos assistir, finalmente, algo que completa a Constituição cidadã de 1988, o aperfeiçoamento da própria representação, a quem cabe agir em nosso nome para implementar leis e políticas conquistadas. Claro que a reforma eleitoral, que valorize da melhor forma o princípio igualitário do voto cidadão, é indispensável. Quem sabe com representantes mais éticos, voltados ao bem comum, isso seja possível. De toda forma, ainda temos muito a fazer.
Há decisões que não podemos delegar. Aperfeiçoar a expressão da cidadania na democracia é aumentar o poder de a cidadania decidir, pelo voto, sobre temas fundamentais. Isso ainda é um tabu no Brasil.
Comentário 1
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Pascoal
26 de março de 2012Acabei de escrever um texto: “Carta aberta para os parlamentares brasileiros”. Ali, afirmava, que o poder, segundo a CF-88 é do povo [artigo 1º, § Único]e que a outorga não é “cheque em branco” para que se opere absurdos como alterar cláusulas pétreas, tais como pretender tirar do Executivo a competência para demarcar terras…Estamos de olhos bem abertos.