Anotação feita no caderno de Charles sobre o trabalho escolar que deveria falar de Betinho
Charles Monteiro é jornalista e escreve sobre comunicação para o Terceiro Setor. Durante a Semana Betinho, realizada entre os dias 7 e 9 de agosto, Charles escreveu sobre como Herbert de Souza influenciou sua escolha profissional.  A seguir, o relato do jornalista que encontrou no evento do Ibase a memória sobre o que o motiva até hoje. 
“Em 1997, quando eu estava na 7ª série do Ensino Fundamental (hoje 8º ano), a professora de Português perguntou à turma, “Vocês sabem quem foi Herbert de Souza?” Silêncio na sala. Ela, então, fez outra pergunta. “E o Betinho? Vocês conhecem ou já ouviram falar dele?” Alguns começaram a balbuciar como se “ah, esse, sim”. Foi quando ela escreveu no quadro e explicou que ambos eram a mesma pessoa. Logo, veio em minha mente a imagem de um prato de alumínio vazio e o comercial que era transmitido na televisão sobre a campanha de combate à fome e à miséria. Então, veio a tarefa dada pela professora. Pesquisar sobre “Qual a importância política da pessoa Herbert de Souza (Betinho)?”, com data de entrega para 19 de agosto daquele ano.
Alguns textos consegui fazer uns cortes, retirando as opiniões e montando um texto mais objetivo – o que chamamos de edição. Confesso que tinha a vontade de recortar o jornal e colar direto no trabalho só pra terminar. No entanto, ao ler tanta coisa feita e o que era dito sobre ele despertavam em mim a curiosidade em conhecê-lo mais e fazer algo melhor. Pensei, “o trabalho está parecendo com o jornal. Vou escrever sobre o que penso sobre isso tudo”. Mais uma vez não recordo quais palavras usei para escrever o texto final. O título era uma interrogação. Algo como, “O que será do amanhã?” ou “O que será do futuro?”. Nele, questionei sobre quem cuidaria de seus trabalhos? A família, a equipe que trabalhou tantos anos ao seu lado, as pessoas que foram influenciadas por ele estariam dispostas em manter suas ações? E o governo estaria disposto a apoiar sua causa? Apesar da dor da perda, a luta não deveria parar. As ações deveriam continuar e aqueles que assumissem os trabalhos deveriam realizar o que ele gostaria de ter feito, mesmo que houvesse forças contrárias (não foram com essas palavras que escrevi, mas eram exatamente o que eu pensava).Naquela época, a internet era precária e poucas pessoas tinham acesso à rede web. Ter um computador era um privilégio para poucos. Recorri ao jornal. Vale lembrar que eu não tinha o hábito da leitura diária e só lia a sessão de futebol. O jornal que eu consegui tinha uma matéria especial sobre o Betinho. Não lembro, em detalhes, sobre o que escrevi, mas sei que boa parte do trabalho foi a transcrição literal dos textos do jornal.

Especial do Jornal O Dia sobre a morte de Betinho

O trabalho estava pronto. Não sabia se tinha escrito alguma bobagem, mas escrevi assim mesmo e  trabalho foi entregue. A professora veio até mim e veio perguntar justamente sobre o último texto que estava diferente do restante do trabalho. Ela ficou surpresa (e eu mais ainda) porque não tinha encontrado outro texto opinativo na turma e não esperava ler um daqueles. Ela até gostou e aprovou. Era como se eu tivesse mergulhado na história de um dos maiores ativistas sociais da época sem ter tido nenhum contato.
Infelizmente não encontrei o trabalho. Procurei em todos os lugares. Não sei se ele foi junto com outros que ficavam guardados em uma pasta que achei estarem seguros dentro do porão no quintal de casa. Devido à umidade no local em que ficavam guardados, muita coisa estragou e tive que desfazer de alguns trabalhos (chora, chora).
Curiosamente, reencontrei a edição especial do jornal alguns dias antes de começar a “Semana Betinho: 20 anos de lembranças e saudades”, evento que aconteceu de 7 a 9 deste mês, organizado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), no Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro.
Durante a “Semana”, encontrei pessoas maravilhosas que conviveram na luta com Betinho. Ali, tive a certeza de que meu interesse e a minha influência pelo terceiro setor, pela causa social se deviam às ações que ele plantou na sociedade. As campanhas contra à fome, doações de alimentos e roupas tudo eu associava à imagem dele. Quando passo pelo galpão da Ação da Cidadania, eu vejo o imenso rosto da simplicidade olhando para o céu com ideias de mobilizar as pessoas a mudar o mundo para melhor.
“Se aceitarmos o país que temos, estaremos perdendo nosso tempo, estaremos perdendo nossa esperança”. Betinho
É o símbolo de esperança e luta dos desfavorecidos. É a representação indignada e inquieta que lutou até o fim de sua vida contra a falta de ética na política, a fome, a miséria, a discriminação em todas as suas dimensões e contra a AIDS.
Eu ainda tenho muito a aprender sobre ativismo cidadão, lutas políticas, midiativismo  e outras séries de coisas mais. Só que eu lhe pergunto, “Você sabe quem foi Herbert de Souza, o Betinho?”. Os três dias do encontro fizeram eu relembrar essa história e a vontade de escrever nessa linguagem simples e espontânea para contar a vocês um pouco sobre esse meu envolvimento no terceiro setor.
 
Agradecimentos especiais à professora que menciono neste post, Aurelice, que fez eu ler cada vez mais e escrever melhor em suas aulas de Português, e ao atual diretor-executivo do Ibase, Athayde Motta, que me incentivou a escrever este texto.”

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