Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase

Que momento histórico angustiante que estamos vivendo no mundo! Há uma espécie de corrosão subterrânea tanto de relações sociais, processos e estruturas das sociedades, como de princípios e valores, ideais e culturas de convivência e compartilhamento humano em meio às diferenças e contradições. A força e o alcance desta onda destrutiva que nos ameaça como humanidade está difícil de diagnosticar e, sobretudo, de saber como enfrentar. A fratura se manifesta na crise do multilateralismo e na aberta disputa geopolítica em nome de interesses soberanos nacionais, nas guerras localizadas, nas migrações, nos nacionalismos autoritários, com suas muralhas e fortalezas, nos racismos e fundamentalismos, na ameaça de fascismo e barbárie. Tudo isto num quadro civilizatório que mostra sua fundamental insustentabilidade socioambiental, que está nos levando a um beco sem saída, de mudança climática e destruição sem volta. Claro, existe enorme diversidade de situações no mundo e a gente ainda encontra lugares que parecem estar à margem da onda de retrocessos e fraturas. Mas as urgências e angústias contaminam tudo e todos de algum modo, pois vivemos um desafiante momento de emergência de uma consciência de interdependência planetária, mesmo se não aceitamos ainda que somos parte de uma mesma e única humanidade, toda ela dependente da dinâmica e integridade dos sistemas ecológicos do planeta Terra, que devemos cuidar e compartilhar. Mas como superar este momento?
Nos cabe viver e sofrer o poder destrutivo desta onda aqui no Brasil. Temos nossos assaltantes do bem público no exercício do poder, à serviço do tal 1%, apostando num desenvolvimento econômico selvagem e destrutivo, com o desmonte institucional e político de fundamentos democráticos elementares, de Brasília aos mais recônditos lugares, passando pelas metrópoles segregadoras e suas enormes periferias, às cidades sob ameaça de bandos armados de policiais, milicianos e traficantes, vilas e povoados cercados pelo agronegócio e grandes empreendimentos extrativistas. O nosso dia a dia é cheio de agressões e violências físicas, fome e miséria, constrangimentos e discriminações, intolerâncias e ódios, aqui e lá, na casa, na rua, no transporte, no trabalho, nas instituições, na mídia, nas redes sociais. Talvez metade de nós, brasileiras e brasileiros, estejamos condenados a viver no maior desamparo em meio à relativa abundância. E estamos assistindo à destruição acelerada do imenso bem comum natural que nos cabe cuidar.
Tentei me desligar de tudo isto no refúgio da minha chácara, em férias. A precariedade de acesso à comunicação cotidiana no lugar – zona rural e entre montanhas – afasta a gente de muitas notícias. Um refresco, sem dúvida. Mas, em última análise, uma oportunidade para ir mais fundo na reflexão, não importa se cuidando de plantas, jardim e horta, fazendo pequenas coisas. As horas parecem mais longas e convidativas para buscas e reflexões mais essenciais, por assim dizer. Em tal situação e clima, saí das angústias cotidianas para mergulhar em leituras e reflexões sobre o sentido do viver num mundo assim e neste momento histórico. A vida me deu, reconheço, oportunidade de combinar filosofia com sociologia e ativismo político, que, de algum modo, não deixa de ser uma viseira parcial, por mais ambiciosa que seja. Mas como é bom filosofar, “cair fora do mundo imediato” e ir buscar sentidos ao viver aqui e agora! Pode ser apenas um modo de existir e de olhar, mas necessário para a gente não se desesperar.
Apesar do montão de leituras inadiáveis e textos programados para serem escritos, acabei dando atenção a três em particular. Li o belo relato de Jean-Pierre Leroy, o amigo dileto e companheiro, uma espécie de “autobiografia filosofada”: L´Amazonie au Coeur:  De Briouze à Rio de Janeiro (em livre tradução, A Amazônia no Coração: de Briouze ao Rio de Janeiro). É uma reflexão profunda sobre uma experiência em busca de sentido coletivo do viver tendo o nosso Brasil como uma situação imediata. Como a vida, a obra é algo inacabado – Jean-Pierre faleceu em novembro de 2016 e sua reflexão para bruscamente um mês antes de sua morte –, uma passagem momentânea, fazendo parte de aventura humana coletiva, em determinado momento histórico. São angústias, desafios e buscas de alguém que compartilhou com a cidadania brasileira a ousadia de viver dos 1970 até o mergulho na crise atual. Pelo que Jean-Pierre representa para o ativismo da sociedade civil de nosso país, vale a pena conseguir compartilhar o seu relato, que pode dar ânimo a muita gente. Para mim, ao menos, foi emocionante e muito gratificante ficar longe de “lava jatos”, STF, Temer, Globo e outros mais que poluem a visão das coisas.
Outras duas leituras fundamentais foram inesperadas, passando à frente da pilha de livros que aguarda ser lida. Ambas foram um surpreendente presente do casal de amigos franceses desde o tempo, em Paris, que as duas filhas deles e nossas duas filhas se tornaram amigas na escola fundamental. Ele metalúrgico e ela professora, me conhecem tanto que me deram duas obras fantásticas. A primeira – La Vie Secrète des Arbres: Ce qu´ils ressentent. Ce qu´ils communiquent (em livre tradução, A Vida Secreta das Árvores: O que elas sentem. O que elas comunicam) – do engenheiro florestal Peter Wohllebent, um best seller com mais de 650 mil exemplares vendidos na Alemanha. Sorte minha ter a versão em francês. A reflexão de Peter associa conhecimento botânico e de engenheiro florestal com filosofia, compartilhando um pensamento radical em termos socioambientais sobre a “Sociedade Vegetal”. Espelhando o relato da vida das árvores num formato de vida humana, as revelações de Peter focam a linguagem dessas plantas, sua comunicação química (odores), elétrica e pelo som, revelando o que hoje é o grande desafio da ciência natural: entender como se constitui o Wood-Wide-Web, ou seja, a internet das florestas. Como as grandes árvores vivem, em média, uns 500 anos, vai além da nossa experiência existencial humana a capacidade de viver a sua fantástica aventura no planeta onde elas são indispensáveis. Talvez este seja o relato mais profundo, no meu caso, para pensar nos direitos da natureza como condição para nossos próprios direitos.
O segundo livro, que ainda não acabei de ler, tem como título algo muito instigador para mim: Le monde a-t-il un sens? (em livre tradução, “O mundo tem sentido?”). Escrito a duas mãos – o botânico Jean-Marie Pelt e o filósofo e sociólogo Pierre Rabhi – o livro procura compartilhar reflexões fundadas sobre a prevalência do princípio da associação (na evolução do mundo natural) e da cooperação consciente (nas sociedades humanas) como bases que negam a visão predominante da rivalidade e da competição num mundo de interdependências, condição do bem viver.
Não resolvi minhas mais profundas angústias, mas deixei de lado urgências. O mundo tem solução e até parece difícil destruí-lo. Algo que é possível, mas que vai contra o essencial destino e sentido. Após o tal mergulho em gratificantes buscas, está sendo difícil encarar a conjuntura imediata, especialmente o turbilhão brasileiro. O que fazer? Reconheço que não sei a resposta, mas não desisto de buscá-la, apesar de tudo. Sempre digo: nada como um dia após o outro. Amanhã, com certeza, será outro dia. Mas como será?
 
Rio, 20/08/2018

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