Athayde Motta, mestre em antropologia e diretor do Ibase
Atualmente, 33 milhões de brasileiros(as) encontram-se em situação de insegurança alimentar. Entre as crianças brasileiras essa realidade dobrou apenas nos últimos dois anos. De acordo com a II Vigisan, entre 2020 e 2022, a fome subiu de 9,4% para 18,1% nos domicílios onde vivem crianças de até 10 anos de idade. Os dados foram divulgados no Encontro Nacional Contra a Fome, evento recente que marcou a retomada da Campanha Ação da Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida.
Estar de volta ao Mapa da Fome já é em si uma grande derrota para a democracia brasileira, mas assistir impassível a fome aumentar entre crianças demonstra a falta de humanidade que caracteriza o país depois da eleição de Bolsonaro.
Outro estudo, elaborado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, também revela o abandono que vive a população mais pobre do país. Segundo o Mapa da Nova Pobreza, que traz uma série histórica de 2012 a 2021, a pobreza nunca esteva tão alta no Brasil: são 62,9 milhões de pessoas com renda domiciliar per capita até 497 reais mensais (o que corresponde a menos de meio salário-mínimo), cerca de 29,6% da população total do país. Esses números foram extraídos da base de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Continua Anual, recém disponibilizados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O Mapa da Nova Pobreza também traz dados estaduais sobre a perda da renda. Das 27 unidades da federação, nada menos que em 25 houve avanço na pobreza. Em 14, o percentual de pobreza supera o patamar de 40% da população: Maranhão (57,90%), Amazonas (51,42%), Alagoas (50,36%), Pernambuco (50,32%), Sergipe (48,17%), Bahia (47,33%), Paraíba (47,18%), Pará (46,85%), Amapá (46,80%), Roraima (46,16%), Ceará (45,89%), Piauí (45,81%), Acre (45,53%) e Rio Grande do Norte (42,86%).
No Estado do Rio de Janeiro, 22% da população vive abaixo da linha da pobreza. Na capital do Estado, 16,68% da população vive com renda inferior a R$ 497 por mês. Municípios que fazem parte do arco de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, por exemplo, aparecem em situação ainda mais grave, ficando entre as 100 regiões mais pobres de todo o país.
Como fizemos no passado, sob a liderança de Betinho na Campanha da Fome, queremos mobilizar recursos e ações de distribuição de alimentos. Dessa vez, o foco no Ibase será nas crianças. Se conseguimos vencer a fome no passado, podemos fazê-lo de novo, apesar da cultura do ódio e dos tempos recentes. Derrotar a fome de novo torna-se imperativo para a sociedade civil brasileira. Nós do Ibase estamos prontos para atender ao apelo da Ação da Cidadania em torno do Pacto pelos 15% com Fome.
Betinho morreu há quase 25 anos, mas seu legado permanece vivo. A solidariedade que já transformou a realidade na década de 1990 precisa ser novamente estimulada e praticada por todos(as). Nós faremos a nossa parte. E você?