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Mulheres de favelas do RJ têm defasagem escolar e dificuldade no acesso à creche

Andreza da Silva de Souza tem 31 anos e é mãe de três filhos, todos em idade escolar. Moradora de Jardim Gramacho, bairro da periferia de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, ela divide sua rotina entre os cuidados com a casa e com as crianças, todas, em 2025, matriculadas em escolas públicas da região. Mas nem sempre foi assim

“Nenhum dos meus três filhos ficou em creche e eu sempre tive que pagar alguém para ficar com eles enquanto eu saía para trabalhar. Aqui é muito difícil conseguir vaga para criança pequena, sempre dependemos de sorteio ou da boa vontade de algum político conhecido”, conta.

O que Andreza viveu é também a história de muitas outras mães. Dados do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), levantados entre 2022 e 2023, apontam que 61,8% das mulheres de Jardim Gramacho dizem que o território não conta com locais em que elas possam deixar suas filhas e filhos enquanto trabalham. A mesma dificuldade também é percebida por moradoras da Grande Tijuca em favelas como o Borel (17,7%), Indiana (20,7%) e Chácara do Céu (28,7%). 

“Meu filho mais novo (de 5 anos) entrou direto para a escola, mesmo assim por que ano passado um vereador em campanha me ajudou a conseguir a vaga. Se não fosse isso, meu menino ainda estaria em casa”, relata Andreza.

No Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio, o cenário não é diferente. O Ibase percorreu 11 favelas no local e levantou que 32% das moradoras não encontram abrigo para suas/seus filhas(os) em creches ou escolas públicas no território. De acordo com o relatório da pesquisa, essas mulheres ou ficam sem ter onde deixar suas/seus filhas(os), ou contam com o auxílio de parentes e amigos, ou, ainda, têm que pagar por cuidadoras(es) ou por instituições particulares. 

A situação é tão impactante na vida da população que, em 2024, a Prefeitura do Rio de Janeiro foi condenada a pagar multa de mais de R$2 milhões por não ter conseguido zerar a fila de espera em creches e pré-escolas do município. De acordo com dados da própria Prefeitura, no final do ano letivo de 2023, ainda havia 12.394 crianças de zero a seis anos esperando vaga no turno integral, e 2.911 no turno parcial.

“O Estatuto da Criança e do Adolescente assegura que esse grupo populacional – crianças de zero a cinco anos – tem prioridade absoluta na formulação e na execução de políticas públicas, portanto, nossas pesquisas demonstram que estamos diante de grave violação de direitos de cidadania. Cabe ressaltar que tal situação fere também importantes tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), a Declaração Universal dos Direitos das Crianças do Unicef, e concorre para que não atinjamos a Meta 4.2 do ODS 4, que também assumimos como compromisso do país”, diz Rita Corrêa Brandão, diretora executiva do Ibase. 

Defasagem escolar

As pesquisas do Ibase mostram, ainda, que quase 40% (38,3%) das mulheres que vivem no Borel, Indiana, Chácara do Céu e Casa Branca, na Grande Tijuca, não completaram o Ensino Fundamental. Em Jardim Gramacho e no Complexo do Alemão os índices também são altos: 33% e 34%, respectivamente.

Quando olhamos para o acesso à educação superior, vemos que nos territórios da Tijuca que participaram do levantamento apenas 2% das mulheres concluíram a graduação, percentual próximo do levantado em Jardim Gramacho (1,7%). O local com melhor desempenho é o Complexo do Alemão, com 6% das mulheres na universidade. Mesmo assim, o índice é bem abaixo do nacional, apresentado pelo último Censo da Educação do IBGE, em que 20,7% das mulheres do país tinham nível superior completo em 2022.

“Em nossas pesquisas buscamos sempre aprofundar as questões relativas ao gênero em cada um dos territórios trabalhados, por isso é importante enfatizar ainda que a existência de creche e pré-escola é fundamental para garantir às mães o exercício do direito ao trabalho. Assim, verificamos que em geral, nas favelas e periferias, há um número grande de “mães solos”, onde a violação do direito da criança se relaciona diretamente à possibilidade das mães de ingressarem ou retornarem ao mercado de trabalho, em razão da maior vulnerabilidade das trabalhadoras, com base na histórica divisão desigual da tarefa de criar filhos e filhas”, diz a diretora do Ibase.

Sobre as pesquisas

As pesquisas do Ibase foram realizadas entre 2022 e 2023 em 20 territórios localizados no Complexo do Alemão e no Conjunto de Favelas da Grande Tijuca (Borel, Indiana, Chácara do Céu e Morro da Casa Branca), no Rio de Janeiro, e em Jardim Gramacho, bairro de Duque de Caxias. Foram entrevistadas, ao todo, 12.414 pessoas. 

Os levantamentos trazem dados sobre escolaridade, trabalho e renda, acesso a direitos coletivos, sociais, econômicos, culturais, civis e políticos, além de traçar um perfil da população (homens e mulheres) das localidades que participaram da pesquisa.

No Ibase as pesquisas do Observatório da Cidadania utilizam a metodologia INCID e  ocorrem sempre com parcerias locais em sua estruturação, realização e desdobramentos. Os levantamentos citados, foram realizados dentro do projeto Cidadania Ativa e Acesso à Justiça e feito com o apoio do International Development Research Centre (IDRC).  

A  pesquisa de percepção tem como base  uma análise crítica sobre a efetividade dos direitos abordados, sob o ponto de vista das pessoas moradoras e as violações de direitos sofridas, buscando deixar explícito o que ainda falta fazer e que direitos precisam ainda ser demandados para o pleno exercício da cidadania. 

Todos os relatórios estão disponíveis para download no site do Instituto. Para acessar os dados do levantamento realizado na Grande Tijuca, clique aqui; já o conteúdo sobre o Complexo do Alemão está disponível aqui. A pesquisa completa feita em Jardim Gramacho está disponível aqui

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