Por Mônica Francisco*
Originalmente publicado no Jornal do Brasil
É interessante como alguns acontecimentos aparentemente isolados, de ordem cronológica diferente e com personagens completamente diversos e desconhecidos entre si, podem se cruzar, e em determinado momento de nossa história convergirem em algum ponto.
Vejamos o caso do cantor Mumuzinho, que ao entrar em uma loja de artigos diversos no Rio de Janeiro, gritou para toda a loja se ali não trabalhavam pessoas negras. Isso, aliás, é um fenômeno que pode ser constatado em várias lojas de departamento e nos mais variados shoppings espalhados pela cidade com muita facilidade e em um primeiro olhar.
Completam-se dez anos da tragédia que ficou conhecida como “Chacina da Baixada”, mais especificamente ocorrida em Queimados. O número de mortos foi de 29 , a maior chacina de nossa história no estado do Rio de janeiro.
Entre os mortos, crianças, jovens, adultos e adolescentes. Uma mostra da barbárie e da capacidade do ser humano de olhar o outro como descartável, ainda mais se detiver certo e determinado poder.
O último acontecimento é a polêmica PEC da Maioridade Penal. Estes três episódios marcam a nossa incapacidade de lidar com o racismo institucionalizado e o racismo simbólico que produz práticas racistas que levam a extremos, como a chacina da Baixada.
Essas práticas vão impregnando as nossas ações no dia-a-dia e produzem situações extremas e por vezes dolorosas. Não há problema em se reduzir a maioridade penal, não há nenhum tipo de deliberação e discussão mais profunda, porque simplesmente no seio da sociedade brasileira impera um sentimento inconsciente, produto da escravidão longeva que tivemos e que não tolera a presença do elemento negro em sua estrutura, sem que este esteja subalternizado e docilizado.
Não incomoda a ninguém que não seja negro ou negra o fato de centenas de postos de trabalho não estarem franqueados a essa parcela da população. É preciso estimular o debate, encarar de frente este mal, pois de maneira alguma o fato de se matarem crianças, adolescentes e jovens cuja a mínima idade entre as vítimas era de dez anos, seria assimilado com tamanha facilidade se acontecido em outra área da cidade e com pessoas não negras ou brancas.
Não se discutem com especialistas, técnicos de todas as áreas (psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, advogados) quem de fato tem interesse em aumentar a já tão inchada população carcerária? Todos os menores ou todas as crianças, adolescentes e jovens penalizados serão da mesma casta que povoa as instituições que aplicam medidas socioeducativas, seremos mais democráticos nesse sentido ou continuaremos com nossa vocação seletiva para condenações e punições?
Em um país que ainda sofre com a desigualdade e que não dá as mesmas oportunidades aos seus filhos, achar que resolverá o problema da violência encarcerando crianças e adolescentes negros é muita ingenuidade.
Como sempre, trago à reflexão nesta coluna: se pretendemos uma sociedade civilizada, que cuida de seus valores republicanos, é preciso mais que isso.
Uma sociedade que amarra criança em poste e parabeniza por mortes preventivas de jovens e crianças (como no caso da Bahia, na chacina do Cabula), está muito aquém do significado de civilizada e republicana.
“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”
*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE. (Twitter/@ MncaSFrancisco)