Rio de Janeiro, 16 de março de 2013
Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
Voltamos a conviver com diferentes manifestações da cidadania nas ruas. Elas são um vital instrumento na luta democrática, pois permitem expressar livremente posições, forças e interesses, bandeiras e demandas. É a cidadania – instituinte e constituinte, em última análise – chamando a si uma tarefa intransferível, só sua. Como cidadãos e cidadãs somos chamados a definir tanto agendas e propostas, como tensionar a correlação de forças políticas, o poder e a institucionalidade democrática existente, no sentido de enfrentar e buscar saídas para as contradições e impasses dos conflitos, numa conjuntura dada.
O momento vivido pelo Brasil é difícil, mas também uma oportunidade para rever e radicalizar a democracia. O fato é que as últimas eleições não resolveram nossos impasses, simplesmente os revelaram. A tarefa é grande, difícil e vai exigir muita convicção democrática para não por em risco exatamente a democracia.
Numa é demais lembrar que hoje, dia 15 de março, marca o início da Nova República, traumaticamente inaugurada em 1985, com um dos grandes artífices da transição da ditadura para a democracia, Tancredo Neves, sendo internado e seu vice, colaborador da ditadura, José Sarney, tomando posse como presidente. Tendo vivido aqueles anos de chumbo, deu para festejar assim mesmo. Afinal, a cidadania faz a história – “A gente faz a hora, não espera acontecer” – mas não tem muita escolha sobre as circunstâncias. O fundamental, o desempate na luta contra a ditadura, foi o grande movimento das “Diretas Já!”. Não elegemos Tancredo e nem Sarney, mas ganhamos a democracia! A ditadura, simbolizada no general Figueiredo, saiu pela porta dos fundos do Palácio da Alvorada.
Neste momento difícil, 30 anos após e com muitas conquistas a celebrar – só não vê quem não quer – precisamos de coragem e determinação. Não podemos abrir mão da institucionalidade democrática, de jeito nenhum. Se três décadas depois de conquistar a democracia ela parece perder vitalidade, virar um regime de baixa intensidade, vejamos se não somos nós mesmos parte do problema, com falta de ação cidadã, de engajamento, de luta democrática.
Democracia, minha gente, é um modo de vida em sociedade com liberdade, com busca de direito iguais na diversidade, com identidade, compartilhamento, convivência e segurança, sem lutas violentas e mortes. Temos isto? Sim, mas falta muitíssimo. A questão para a democracia é como tornar o conflito social força de construção, de busca permanete do possível pela participação. Democracia eleitoral com representantes eleitos, democracia participativa nas políticas e nos embates cotidianos, democracia direta nas praças e ruas exigindo mais democracia, isto é o segredo de uma democracia radicalizada, capaz de empurrar estruturas e processos para direitos e vida digna para todos. Mas há gente entre nós que não acredita mais na democracia e até começa a imaginar regimes autoritários como melhor solução. Este é um desafio para nós, cidadãs e ciadãos, antes de mais nada.
Por que as manifestações de agora abrem a panela de pressão social e possibilidades de revitalização da democracia? Abrem, sem dúvida, pois as instituições e sobretudo as coalizões de forças políticas em torno ao governo Dilma ou na oposição, estão se revelando manietadas, com poucas inciativas. A vez é da gente, pois os eleitos no Senado, no Congresso, nas assembleias legislativas, nos governos estaduais e a própria Presidência não estão conseguindo sair da defensiva e de contradições entre eles mesmos. Isto porque o que está em questão, desta vez, é a organização partidária, o processo eleitoral, o financiamento de campanhas por grandes empresas, o regime informal de coalizões para governanar, a mídia subordinada a interesses privados e não a serviço do bem público comum da liberdade de comunicação e informação. Precisamos de uma agenda de democracia para o país e ela está ausente. Cabe a nós, cidadania, definir tal agenda, já que do vazio de Brasília nada virá mesmo. Saberemos dar conta?
A grande questão do momento é exatamente esta: a bola está no meio da cidadania e os times não estão organizados, nem tem técnicos/lideranças cidadãs – “intelectuais orgânicos” na expressão de minha referência maior, o Antônio Gramsci. Há muito debate na esfera local, na família, no grupo, no trabalho, no bar. Faltam agendas e imaginários mobilizadores. A oposição propõe impeachment da presidente em nome da corrupção e encontra eco no seio da cidadania de amplos setores sociais mais abastados dos grandes centros urbanos do país . Os movimentos sociais se mobilizam a defesa da vitória eleitoral e de bens comuns empresariais como a Petrobras, apesar do difícil digestão do pacote de ajuste econômico proposto. Tudo isto é apenas defensivo, não nos tira do impasse. A sociedade civil, berço da cidadania, precisa – ela mesma – encarar o seu déficit de pensamento, de propostas, de ação para além do mal estar, brumas e confusões do momento.
Finalizo reafirmando que o melhor caminho é colocar-nos seriamente a rever a democracia que temos e extrair dela forças e capacidades escondidas, capazes de transformar o limão do momento em uma limonada de conquistas e avanços. Encruzilhadas na democracia sao as situações que mais ocorrem. Ela é um método de caminhar e um rumo a seguir por mais liberdade, igualdade, direitos e sustentabilidade. O caminho precisa ser feito, subindo e decendo ladeiras, contornando morros e vencendo travessias de obstáculos que, à primeira vista, parecem impossíveis. Nada é impossível para a determinação democrática. Mas esta devemos ter como um valor compartilhado entre todos, sem concessõe, que nos dá força para impedir autoritarismos e individualismos destrutivos.