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Novo indicador do Incid trata do tema Direito à segurança

Por Paula Brito

Jornalista do Incid

A erradicação de todas as formas de violência contra as mulheres – ou violência de gênero – consiste em uma das principais bandeiras das organizações e movimentos que lutam pelos Direitos das Mulheres, que denunciam a ocorrência deste tipo de violência como uma grave situação de violação dos Direitos Humanos. No Brasil, a efetividade desse Direito começa a ser forjada quando o debate sobre a violência contra mulher alcança espaço na sociedade e na agenda pública impulsionada por forte pressão da cidadania ativa, mais notadamente das organizações e dos movimentos de mulheres, especialmente a partir da década de 1970.

No entanto, mesmo com a forte atuação da cidadania ativa e com os avanços na legislação brasileira, estudos revelam que a violência contra as mulheres tem aumentado no país nos últimos anos. Dados recentes revelam que o número de assassinatos de mulheres passou de 1.353, na década de 1980, para 4.273 na última década – o que representa um aumento de 230% nos índices, segundo o Mapa da Violência. No estado do Rio de Janeiro, os dados de 2014 do Dossiê Mulher apontaram que 356 mulheres foram vítimas de homicídio doloso e 725 sofreram tentativa de homicídio. Na edição de 2015, observa-se um aumento de 18% em relação ao ano anterior, com 420 mulheres vítimas de homicídio doloso e 781 vítimas de tentativa de homicídio.

Como reflexo disso, representantes de organizações feministas e integrantes do movimento de mulheres da AAI, apontaram nas discussões com o Incid a necessidade de construir indicadores que revelem o estado dos Direitos das Mulheres, com foco no direito à liberdade e segurança pessoal, dando visibilidade às desigualdades de gênero e ao problema da violência contra a mulher. Nesse sentido, o novo indicador do Sistema de Indicadores Incid, com base em dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), trata do “Direito à Segurança: Situação da Violência Contra as Mulheres”. Ele foi construído com o objetivo de revelar a taxa de mulheres vítimas de violência em relação à população de mulheres residentes nos municípios da AAI.

Neste Indicador é possível verificar o alto índice de violência contra as mulheres em toda AAI. Os municípios de Nova Friburgo, Casimiro de Abreu e Magé apresentaram as mais altas taxas de violência da região. Em Nova Friburgo, a cada 10.000 mulheres habitantes, aproximadamente 203 foram vítimas de violência. Casimiro de Abreu registrou a ocorrência de violência contra 194 mulheres, para cada 10.000 habitantes; e Magé registrou 191 ocorrências de mulheres agredidas, para cada 10.000. Nesses municípios, aproximadamente a cada um dia e meio uma mulher é vítima de violência. Já Niterói apresentou a menor taxa do território, é possível observar que, em 2014, para cada 10.000 mulheres da cidade, aproximadamente 119 realizaram registro de ocorrência policial, decorrente de algum tipo de violência (ameaça, estupro, tentativa de estupro, homicídio doloso, lesão corporal dolosa). Isso significa que a cada três dias uma mulher foi agredida no município.

Para a pesquisadora Bianca Arruda, apesar de o Indicador apresentar dados alarmantes, ainda não demonstra a realidade do território, devido às subnotificações. “Para criar esse indicador utilizamos os dados do últimoDossiê Mulher de 2015, observando os registros enquadrados na Lei Maria da Penha. Ainda não possuímos um histórico para verificar se o índice aumentou ou diminuiu, mas foi possível avaliar que os dados são alarmantes nos 14 municípios. E mesmo assim, é importante destacar que nem todas as mulheres que sofrem violência fazem o registro de ocorrência nas delegacias, sendo comum a subnotificação. São diversos motivos, como medo, desconhecimento das leis e serviços que asseguram o direito ao acolhimento e encaminhamento das mulheres vitimadas, a descrença nesses serviços e a comum ocorrência de violência institucional. Muitas mulheres só vão fazer o registro de ocorrência numa situação limite, numa situação de desespero”, contou.

Mapas da Cidadania – A visibilidade do Direito à Vida Segura

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Para atender à solicitação do movimento de mulheres em alguns municípios da AAI e construir um diagnóstico específico sobre o estado dos Direitos das Mulheres, com foco no direito à liberdade e segurança pessoal – dando visibilidade à desigualdade de gênero no acesso à vida segura -, a equipe Incid e as Redes de Cidadania Ativa do território construíram, participativamente, os Mapas da Cidadania de Direito à Vida Segura das Mulheres. Para isso foram coletados dados oficiais de violência contra as mulheres, do Instituto de Segurança Pública (ISP), do DATASUS, entre outras fontes. Assim como, o georreferenciamento de organizações que compõem a Rede de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres nos municípios de Niterói, São Gonçalo, Saquarema, Silva Jardim e Guapimirim. Este processo inicial foi proposto para estimular uma discussão sobre existência, localização e distribuição de agentes governamentais e não-governamentais formuladores, fiscalizadores e executores de políticas voltadas para os direitos das mulheres; serviços e programas voltados para a responsabilização dos agressores; universidades; órgãos federais, estaduais e municipais responsáveis pela garantia de direitos e serviços especializados e não-especializados de atendimento às mulheres em situação de violência.

Assim, a construção desse Mapa partiu do levantamento de dados das dimensões da Cidadania Garantida e da Cidadania Ativa, possibilitando uma avaliação inicial do que existe de ações dos poderes públicos – na esfera municipal, estadual e federal – para garantir os Direitos das Mulheres e identificando os espaços da cidadania ativa que atuam na defesa e luta por esses direitos, bem como no acolhimento e encaminhamento das mulheres em situação de violência. “Em todos os municípios em que o Mapa de Direito à Vida Segura das Mulheres foi construído houve uma fala muito contundente das mulheres. Segundo elas, o Poder Público está muito aquém e não garante os direitos das mulheres. Acho que esse é o barato dessa ferramenta, a possibilidade da Rede trazer elementos que sirvam para avaliar, argumentar e combater as violações. O que queremos com esse Mapa é revelar a percepção dessas mulheres. E, segundo elas, os serviços são insuficientes e os profissionais não estão capacitados para o atendimento. Portanto, a Garantia do Direito não está sendo efetiva e o que precisamos é de mais investimento na capacitação do profissional e na ampliação da Rede de Enfrentamento”, explicou Bianca.

Para a Rede de Cidadania Ativa de Niterói, a importância da elaboração do Mapa de Direito à Vida Segura das Mulheres é chamar a atenção para as violações, e para a atuação dos espaços de Cidadania Ativa na luta pela proteção e erradicação da violência contra mulher, assim como levar informações para as mulheres sobre a garantia de direitos e a existência de programas de atenção a mulheres em situação de violência. “Quando trazemos uma forma visual de apresentar os dados que revelam a situação em que essas mulheres se encontram no município, é possível observar e avaliar algumas questões que podem ocasionar essa violência. Podemos identificar que uma das principais causas ainda continua sendo o machismo. Como os Mapas foram construídos de maneira participativa, eles apresentam especificamente a percepção das mulheres que compõe as Redes de Cidadania Ativas, sobre a situação no território. Materializamos de alguma forma o número que foi descrito a respeito do que efetivamente ocorre em cada município. Por exemplo, o Mapa de Niterói, assim como nos outros locais, apresenta um olhar muito voltado para violações de direitos, a desigualdade das mulheres no acesso à vida segura, mas ele também visibiliza a situação das mulheres transgêneras e transexuais, que ainda são mais agredidas do que as mulheres não-trans. Sobre isso há grande discussão no município de Niterói especificamente. Nesse Mapa, também abordamos a violência institucional, onde se nota um despreparo dos serviços públicos ao acolhimento das vítimas de violência e no encaminhamento delas na Rede de Enfrentamento”, contou a pesquisadora.

O Mapa de São Gonçalo contém dados coletados na Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM) e no Banco de Dados de Espaços e Ações do Incid. Segundo a Rede, esse é um importante instrumento de informação, por conta disso, foram colocadas setas indicando o caminho que é preciso percorrer para receber atendimento em caso de ser vítima de violência. Essa proposta visa também visibilizar os problemas de mobilidade no município, que afetam diretamente o acesso aos serviços de atendimento.

Para a supervisora de campo, Bruna Lassé Araújo, esse é um processo de suma importância para o debate sobre o direito das mulheres. “As Redes de Cidadania Ativa dos municípios de Niterói, São Gonçalo e Saquarema são compostas, em parte, por organizações de mulheres e feministas, que lutam para a garantia e ampliação dos direitos das mulheres. Justamente por conta disso, as Redes afirmaram a importância da construção desses Mapas. Tal construção objetiva fomentar as lutas já existentes e denunciar as violações de direitos. Neste sentido, o projeto INCID e a proposta metodológica do mapeamento participativo proporcionará à sociedade civil maior autonomia na sua atuação e na proposição de políticas públicas”, afirma.

Para a Rede de Cidadania Ativa de Guapimirim, esse Mapa revela que os poucos serviços públicos existentes não são suficientes, nem adequados para atender a demanda das mulheres que vivem em situação de violência. Sendo assim um importante instrumento para denunciar a falta de esforço do poder público para combater a violência contra mulheres no município, o que compromete a garantia da efetividade desse direito de cidadania.

1525296_838652416200117_5948852667457167724_nPara atender à demanda específica das mulheres trabalhadoras rurais de Casimiro de Abreu e Silva Jardim, foram construídos Grupos de Trabalho (GTs) nos Assentamentos Sebastião Lan II e Visconde, com objetivo de fortalecer um espaço de discussão próprio das agricultoras e agricultores, evidenciando os diversos direitos violados nas comunidades e posicionando a luta das populações rurais dentro da Rede de Cidadania Ativa. O objetivo foi construir um Mapa para chamar atenção para especificidade dos Direitos das Mulheres do Campo. “Foi muito interessante criar esse Mapa, especifico para mulher rural. Não tínhamos um movimento independente que nos defendesse. Mas ter iniciado esse Grupo de Diálogo e poder mostrar para todas as mulheres quais são os seus direitos e onde podem reportar suas queixas, está sendo maravilhoso. Estamos animadas com a iniciativa do projeto”, contou a moradora do Assentamento Sebastião Lan II, Leila Bianca Demberg.

Numa construção coletiva, foi possível verificar a não existência de serviços especializados e a existência serviços não especializados, porém com uma oferta reduzida e concentrados nos centros urbanos, configurando um diagnóstico de que não há garantia do direito à vida segura para as mulheres em Casimiro de Abreu e Silva Jardim. A falta da garantia do acesso à informação também apareceu como fator que afeta a efetividade do direito à segurança das mulheres das áreas rurais. Para Dilcilene Dias Gomes, secretária da Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Sebastião Lan II, o processo foi muito enriquecedor. “Muitas mulheres aqui sofreram com agressões que partiam de seus próprios companheiros, principalmente a psicológica. Mas até então, não eram consideradas violência, não havia o conhecimento sobre isso. Depois que a Rede foi criada, passamos a conversar sobre isso. Descobrimos muitos casos, pois as mulheres sentiram confiança de expor seus problemas. É interessante escutar relatos das mulheres que falaram que nunca escutaram um ‘eu te amo’ do companheiro e agora estão escutando. Por isso eu acho que esse debate é muito importante, não apenas para as mulheres, mas para os homens terem noção dos nossos direitos”, confessou.

As razões para a existência da violência contra as mulheres podem ser múltiplas, mas sem dúvida têm origem em valores arraigados que advém do sistema patriarcal, que se (re)produzem e se (re)configuram de acordo com a dinâmica da sociedade e do momento histórico, podendo produzir assim novas formas de violência. Diante deste cenário, a violência contra as mulheres se configura como uma grave violação de direitos, colocando-se como desafio para o avanço dos direitos de cidadania em toda a AAI.

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