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Democracia é um jogo, mas não uma brincadeira

Athayde Motta
Diretor do Ibase e membro do Conselho Diretor da Abong

A conjuntura política que vive o Brasil parece caminhar para a desmoralização do Estado Democrático de Direito, como se estivéssemos em teste para ver até quando aguentamos “esticar a corda”.  A tensão e a disputa sempre fizeram – e sempre farão – parte do jogo democrático e da defesa de interesses diversos da sociedade. Mas a regra a que todos(as) estamos submetidos(as) é o absoluto cumprimento da Constituição Federal.

As ameaças aos membros do Supremo Tribunal Federal, o pedido de fechamento da instituição e o incentivo à desordem política que levaram à prisão do deputado Daniel Silveira (PSL/RJ), deixaram de ser fatos inimagináveis em uma democracia e assumem ares de liberdade de expressão. Não são. A Constituição Federal proíbe qualquer ameaça ao nosso regime político e prevê pena de prisão para quem descumprir esse dispositivo.

Outros episódios, envolvendo Sara Winter, a ativista e youtuber que perdeu a eleição para deputada federal pelo Rio de Janeiro em 2018, e o blogueiro Oswaldo Eustáquio, que foi assessor da ministra Damares Alves, da Família, Mulher e Direitos Humanos, seguem a mesma arquitetura. Ambos chegaram a ser presos em 2020 e ainda respondem pela organização de atos antidemocráticos que pediam intervenção militar e o fechamento do STF e do Congresso Nacional. É contra esse tipo de crime, que vem sendo tratado como liberdade de expressão ou direito de opinião, que devemos nos opor e pedir rigor nas investigações.

Fosse vivo, Betinho estaria – certamente – chamando por uma grande manifestação contra qualquer ameaça à nossa democracia, imperfeita mas que nos garante divergir e lutar por um Brasil melhor e mais inclusivo para todos e todas. Betinho morreu mas sua lição permanece: “um país não existe como nação se não for pela democracia”. Nós do Ibase seguimos e defendemos esse legado.

Para além dessa complexa conjuntura política, temos também uma grave crise social e sanitária. A volta da fome e do desemprego e a pandemia de coronavírus não nos colocam em pé de igualdade com negacionistas que insistem em ocupar ruas e demonstrar uma força que verdadeiramente não possuem. Nossa luta continua viva, por meio da rede de ação que a sociedade civil brasileira, principalmente movimentos sociais, coletivos de jovens de periferias e ONGs conseguem manter ativa. Seguimos organizados nos espaços virtuais e no uso das tecnologias que sempre foram nossas aliadas. Oportunamente, saberemos decidir coletivamente o melhor momento de voltar às ruas, sem medo e com segurança.

Até lá, o que esperamos é que as instâncias responsáveis pela investigação de crimes e atos antidemocráticos sigam rigorosamente a lei.  Não podemos negociar a independência dos três poderes estabelecidos e nem, em hipótese alguma, permitir que sejam ameaçados de fechamento. A ditadura militar não tem mais espaço no Brasil, devendo ficar restrita aos livros de história – sem ser esquecida ou relativizada em seus abusos e crimes.

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