Cunca Bocayuva
no Canal Ibase
Car@s amig@s, sem tentar tecer considerações sobre o óbvio acho que podemos sair em defesa do protesto social no Rio de Janeiro, em Paris ou em Istambul. Distintas razões estão levando ao protesto social a primeira geração global pós-neoliberal e pós-internet. Uma grande resistência começa a ser criada para fazer frente ao processo distópico, de destruição programada dos direitos econômicos, sociais e culturais. Vemos hoje os primeiros ensaios de uma convergência e interação de vozes e corpos, que se manifestam pelas redes e nas cidades. A primeira geração criada em meio ao ritmo da transnacionalização e do ciberespaço, só tem a memória da crise orgânica permanente, só viu a fragmentação e a mercantilização da vida cotidiana, sob o império do espetáculo financeiro e do endividamento crônico. Navegando nos sonhos do crediário, entre a política do medo e o atordoamento derivado dos fluxos de objetos e mensagens, sob o impulso dos processos de precarização. Mas a geração XXI (pós anos noventa) vai encontrando e reinventando sua forma de agir coletivo, de criar espaço público de fazer convergir a vontade de mudança.
Nas ruas e praças já se somam outros movimentos, que questionam os modos de governar as cidades e segregar as pessoas impondo o mimetismo globalista do mundo do capital. Questionando sem perda do sentido concreto e direto das questões colocadas recuperando temas, vozes e esperanças que foram sendo destituídas em nome de novas personas, novas roupagens e vendas de ilusão. O tema da revolução das prioridades e das novas ecologias ganhou as ruas novamente em meio ao hibridismo de um ator que busca uma outra forma de comunicação política, que faz o contra-espetáculo. O movimento de grupos moleculares que lida com os vários planos de luta, que junta a demanda do direito à cidade, a partir da questão da mobilidade urbana, ao direito ao tempo livre, ao espaço público para uma circulação e mobilidade democrática e produtiva.
A conexão virtual se projeta na demanda por espaços verdadeiramente públicos, gerando outras políticas e novos espaços onde o global depende da autonomia e do respeito pelo local. A cidade precisa ser governada na escala humana. Numa perspectiva em que os indicadores são definidos pelos critérios reais de acesso e usufruto ao bem estar, onde os bens são públicos, onde as liberdades e direitos privados são garantidas para tod@s a partir da valorização do espaço comum. No transporte e na informação a política da comunicação de uma outra mensagem parece estar sintetizada no valor de um movimento singular sobre a elevação abusiva das tarifas, cuja proposta gerou os encadeamentos e o vetor universalizador da demanda por democracia econômica.
No texto do Movimento Passe Livre se escreve a demanda de luta “por uma vida sem catracas”. Basta lembrar que a boa utopia é sempre tópica, situada, se define pela mensagem voltada para o potencial de produzir experiências, de conectar idéias, sugere um caminho programático com base na sua autonomia quanto aos poderes dominantes. A sua legitimidade política deriva da simplicidade da questão colocada, que tem a profundidade dos desafios de uma outra forma de governar, de definir novas prioridades. O horizonte dos novos movimentos é multiplex, é de remix, é de recombinação de práticas que articulam vetores capazes de gerar tecnologias de organização e inovação social. Escrevo essa nota porque recebi notícias de outros recantos do mundo, que recuperam por todo os recantos a máxima abandonada por Obama do “yes we can”. Já que, para a velha pergunta do “que fazer” a resposta será sempre singular mas contribuirá para o potencial universal do direito a ter direitos. Sabemos desde a luta contra o fascismo e as ditaduras o quanto é importante desanaturalizar as decisões que encobrem o lugar real, questionar o domínio das falsas necessidades e a produção e bloqueio dos direitos. Os que criam os cenários da especulação e da inflação deslocam o foco das questões e das batalhas que são prioritárias em nome de suas urgências voltadas para gerar confiança para os chamados grandes investidores.
Na ótica do grande capital somos parte dos que apequenam os debates sobre as questões centrais da economia, “por questões de centavos”. Isso tudo, ao mesmo tempo em que reafirmam suas opções ditadas pela racionalidade burocrática ou de perfil mercantil-capitalista através de grandes aparatos de comunicação, de especialistas, jurídicos e repressivos. “Nunca diga isso é natural” dizia o grande dramaturgo alemão, nessa pegada a geração XXI e o MPL nos coloca diante da necessidade de repensarmos a vida sem catracas. As conjunturas locais e as culturas são distintas na Tunísia, na Espanha, na Grécia, nos EUA, ou aqui, mas a sensibilidade e a emergência da política de redes é um bom momento para oxigenar nossa vida social e intelectual, pondo em questão a manipulação fetichista do espetáculo da ditadura economicista e da economia do endividamento.
Seguindo os passos e os questionamentos sugeridos por Karl Polanyi, já que é possível colocar no centro da cena um programa e uma política que combinem a centralidade do social entrelaçada com a ampliação da democracia. Que tal começar pelos transportes? Que tal lidar com a questão em pauta como um novo começo nas práticas de governo? Que tal ouvir outras vozes para mudar a vida? Que tal não tornar o despertar e a sensibilidade da nova geração um pretexto para impor a ordem de um fascismo social? Evitar as formas de dominação que na falta de fazer avançar a democracia governam pela segregação e eliminação dos outros. Agora podemos compreender o valor dos que evitam participar do projeto que combina o poder de “matrix” com a fabricação de zumbis. Melhor seria a aposta na mensagem do MPL, cuja clareza expressa em texto combina identidade com a construção de valores.
Falando na primeira pessoa, não conheço as pessoas mas admiro desde a muito o Movimento Pelo Passe Livre, acredito que muitos dos avanços e dos questionamentos por eles gerados já vem produzindo resultados importantes no questionamento de uma política anti-popular. Parece estar se aproximando a hora de construção elos horizontais entre os grupos sociais que advogam programas de democratização real, de construção social e pública. O que depende do reforço de mensagens que interessam ao bem comum. De modo a abrir caminhos para questionamentos necessários e urgentes que já foram colocados em propostas existentes, como as aprovadas nas diferentes conferências de políticas públicas, mas que ainda não se tornaram objeto de um programa de governo voltado para os diretos de tod@s.