Por Beatriz Bissio,
Coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul
Departamento de Ciência Política
Universidade Federal do Rio de Janeiro
O ato convocado para hoje a tarde por movimentos sociais, sindicatos, coletivos de mídia, etc, não é – como alegam os que querem tirar-lhe legitimidade – “a favor de Dilma ou Lula”. Trata-se de um ato em defesa do estado democrático de direito, em defesa da democracia. Tenho muito presente, nestas horas dramáticas, um antecedente do qual participei intensamente: o processo que culminou na destituição do Dr. Jackson Lago do seu cargo de Governador do Estado do Maranhão, um cargo legitimamente conquistado nas urnas, depois de décadas de “reinado” das forças conservadoras aglutinadas em torno do ex presidente Sarney. A destituição do Governador Jackson Lago foi um processo ilegítimo, uma vergonha na história das instituições brasileiras! Mas a campanha venenosa orquestrada através da mídia controlada por setores políticos vinculados à oligarquia maranhense – quem não conhece o poder da família Sarney e seus aliados? – foi efetiva. Grande parcela da população do Maranhão e mesmo eleitores e aliados políticos do Dr. Jackson Lago ficaram paralisados, imobilizados, confusos (quando não cinicamente recolhidos na expectativa de manter privilégios quando os ventos mudassem…). E, sem povo na rua o atentado contra a democracia foi perpetrado. Fomos muito poucos os que acampamos enfrente ao Palácio dos Leões e depois fizemos vigília dentro do Palácio, junto ao Governador, até o momento final. Á memória desse líder, homem digno do maior respeito, o Brasil ainda deve um pedido de desculpas e uma homenagem!
Pois bem, na altura, o presidente Lula nada fez em defesa da legitimidade democrática maranhense. A aliança com Sarney falou mais alto. Hoje eu constato que o “caso Jackson Lago” foi um ensaio, um teste, da utilização de meios supostamente “legais” para mascarar um golpe contra a democracia. Vitorioso esse teste, hoje ele serve de referência para voos mais audaciosos. Os métodos são similares: a mídia é a ferramenta chave e a Justiça a arma que mascara o crime.
Não vou ao ato de hoje em defesa de Dilma ou de Lula. Vou ao ato de hoje em defesa do Estado democrático de direito.
Não creio que esteja sendo feita Justiça contra a corrupção quando há um procedimento seletivo que escolhe a quem expor na mídia entre os supostos corruptos. Não me merecem respeito os magistrados que agem utilizando da Rede Globo – logo a Rede Globo! para fazer chegar à opinião pública “vazamentos” seletivos e escondem embaixo do tapete informações, que também estão em seu poder, mas mudariam a percepção que o brasileiro médio tem da situação. Mudariam porque afetariam setores políticos que desde muito tempo atrás estão envolvidos em casos de corrupção e têm conseguido ficar impune
Se o ex-presidente Lula ou a Presidente Dilma, ou ambos, têm responsabilidade em crimes contra o Estado, devem ser punidos. Mas a eles, como a qualquer cidadão, deve lhes ser assegurado o direito a um julgamento dentro do que a Constituição e a legislação prevê. Não é isso o que está acontecendo.
Acompanhei a política brasileira desde antes de conhecer o Brasil, a través de Neiva Moreira, Brizola, Darcy Ribeiro, Francisco Julião, Betinho, e tantos outros brasileiros exilados com os quais tive o privilégio de conviver, antes da anistia, no Uruguai, no Peru, no México; depois, aqui no Brasil. Não tenho dúvidas de que eles estariam no ato de convocado para hoje, na rua, junto ao povo brasileiro, em defesa da democracia!
Lembremos do célebre poema, “E Não Sobrou Ninguém”, sobre o significado do Nazismo na Alemanha, uma adaptação do pastor luterano alemão Martin Niemöller (1892-1984), Prêmio Lenin da Paz em 1966, do poema de Vladimir Mayakovsky:
“E Não Sobrou Ninguém”
(“Quando os nazistas vieram atrás dos comunistas“)
“Quando os nazistas levaram os comunistas,
eu calei-me, porque, afinal, eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas,
eu calei-me, porque, afinal, eu não era social-democrata.
Quando eles levaram os sindicalistas,
eu não protestei, porque, afinal, eu não era sindicalista.
Quando levaram os judeus,
eu não protestei, porque, afinal, eu não era judeu.
Quando eles me levaram,
não havia mais quem protestasse.”
(Martin Niemöller)