Rio de Janeiro, 10 de setembro de 2014
Sociedade civil organizada propõe criação de Conselho Nacional de Política Externa
Nestas eleições os rumos da política externa brasileira estão em disputa. O Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI), que reúne pessoas que estudam a política externa e atuam no campo das relações internacionais a partir de movimentos e organizações sociais, partidos políticos, organizações não-governamentais, instituições acadêmicas, de pesquisa e de governo, vêm a público reafirmar sua proposta de criação do Conselho Nacional de Política Externa, criticada no programa de governo de uma das candidaturas principais, e reiterar sua posição acerca dos temas que consideramos mais relevantes para a Política Externa Brasileira.
Em todos os documentos produzidos pelo GR-RI,há uma convergência na avaliação globalmente positiva das diretrizes da política externa levada a cabo pelo governo brasileiro nos últimos 12 anos,no que se refere sobretudo a dois aspectos centrais:
I. A busca de maior autonomia e protagonismo no plano internacional, que se manifestou, entre outros tópicos, na oposição à invasão do Iraque; na proposta de mediação e apoio às negociações do Irã com a comunidade internacional, acerca de seu programa nuclear; no reconhecimento do Estado Palestino; na forte reação contra os golpes de Estado em Honduras e no Paraguai; no aumento da representação do Brasil na direção de organismos internacionais (OMC, FAO); na defesa da democratização das relações globais, por exemplo, através da reforma e ampliação do Conselho de Segurança da ONU, na iniciativa junto a Alemanha para a criação de um marco global para a internet, na defesa do princípio das responsabilidades comuns mas diferenciadas no seio das negociações climáticas multilaterais, no acordo de reforma das instituições financeiras (Banco Mundial e FMI) e, já em 2014, a parceria para a construção do Banco dos BRICS. Embora o governo tenha preservado as relações tradicionais do Brasil com os países centrais, desenvolveu um intenso esforço em ampliar o leque de parcerias diplomáticas. Enfatizaram-se as relações Sul-Sul, as coalizões com potências médias no âmbito do fórum India-Brasil-Africa do Sul (IBAS) e as atividades com os parceiros no grupo que ganhou a denominação de BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), bem como as relações com o continente africano.
II. A ênfase na integração regional, especialmente sul-americana. Tiveram prioridade os processos de integração no continente, com o firme engajamento em iniciativas como a CELAC, a UNASUL, o Conselho Sul-Americano de Defesa, o Conselho Sul-Americano de Saúde Pública; o MERCOSUL teve o número de integrantes ampliado e se buscou adicionar conteúdo social e político à sua dimensão eminentemente comercial. Além disso, tivemos a articulação de encontros como os da América do Sul com os países árabes e africanos.
Em resumo, o Brasil diversificou parcerias, abriu fronteiras comerciais e diplomáticas, interveio com peso na cena mundial, ganhou credibilidade junto aos demais países em desenvolvimento e tornou-se peça fundamental na geopolítica regional.
Essas diretrizes são a nosso ver fundamentais para que o Brasil siga crescendo, distribuindo renda e contribuindo para uma ordem internacional pacífica e justa, e por isso elas devem ser consolidadas e aprofundadas no próximo período.
III. Democratização da Política Externa
Defendemos uma esfera pública de discussão democrática sobre a política externa. Daí a proposta de criação do Conselho Nacional de Política Externa (CONPEB).
Conforme previsto em vários artigos da Carta Constitucional de 1988, que definiram a participação como ferramenta de gestão pública nas mais diversas funções governamentais, e concebido nos moldes dos conselhos nacionais de participação já existentes em outras políticas públicas, o CONPEB,conselho de natureza consultiva, visaria a acompanhar a condução da política externa do poder executivo federal e contribuir para a definição de diretrizes gerais dessa política. Tal proposta prevê, além da presença dos setores governamentais específicos da política externa, a participação de uma diversidade e pluralidade de organizações, movimentos, redes e outros fóruns que atuam no campo da política externa, contemplando os setores empresariais, organizações sindicais, movimentos sociais, organizações não governamentais,fundações partidárias, acadêmicos, instituições de estudos e centros de pesquisa, entre outros.
Além de promover a democratização das agendas de política externa e a dimensão propriamente pública de seus debates, a proposta do CONPEB fortalece institucionalmente o MRE na relação com outros atores governamentais domésticos e legitima sua capacidade de negociação no exterior, na medida em que amplia a representatividade, a credibilidade e a pluralidade de vozes da sociedade nessa esfera renovada da política externa. Contrariamente à hipótese do esvaziamento e da marginalização do Itamaraty, a criação do CONPEB permite a institucionalização da participação da sociedade civil nas agenda s da política externa, garante centralidade ao Itamaraty e, assim, evita a privatização da política externa.
O CONPEB seria assim uma instituição colegiada formalmente integrante da estrutura do governo federal para assessorar o Poder Executivo, na qual a relação público/privado se estabeleceria, materializando princípios da democracia representativa e participativa. Sua finalidade principal seria servir de instrumento para garantir a participação popular, o controle social e a gestão democrática da política externa brasileira, assegurando a predominância do interesse público. Tal iniciativa se adequa à proposta do atual governo de criação e implementação do Sistema Nacional de Participação Social.
O GRRI e as pessoas e organizações que apoiam essa nota, consideramos, que a criação do CONPEB é fundamental para a democratização da política externa e do Estado brasileiro, e para que as diretrizes globalmente positivas da política externa adotada neste último período possam ser aprofundadas.