Cândido Grzybowski
Sociólogo, Ibase
A reunião de líderes do G20 – governantes das 20 maiores economias do mundo –, em Hamburgo, na Alemanha, é daqueles eventos que nada de novo produzem, mas aparam eventuais arestas e afinam compromissos comuns no sentido de manutenção do status quo dominante. Arestas e até contradições existem em profusão, mas nada a por o sistema capitalista em colapso neste momento. Um evento que tem Trump e Putin como estrelas, sob a coordenação da anfitriã Merkel, a poderosa que banca a agenda mais neoliberal possível para a Europa, diz tudo. O que o Temer foi fazer lá nem precisa de maiores comentários. Dificilmente a gente encontra um entre os 20 governantes que não está mal nas pesquisas de avaliação nos seus próprios países.
O fato importante que merece maior análise é o consenso comum que une estes governos diversos, sem dúvida, mas que os faz operar com uma mesma agenda básica: buscar as melhores normas e políticas para que a globalização capitalista neoliberal funcione com as menores turbulências possíveis. Ou, em outras palavras, o que se busca é o crescimento de negócios, da liberdade de circulação de mercadorias e de capitais, da segurança para a economia, do governo necessário para isto, mesmo com sacrifício de democracias se necessários for. Os conflitos internos e as guerras entre países, os desastres ambientais, as migrações e os refugiados de todo tipo, os desgovernos, tudo isto só é levado em conta na medida em que afeta a saúde dos negócios globalizados. Aliás, se a tal agenda de dominação neoliberal do mundo provoca crises no interior dos países, há um consenso global nas esferas de poder e de finanças de que o problema é dos países e não da agenda.
Sempre se espera que ao menos os governantes reunidos no G20 levem a sério a mudança climática, pois esta afeta a todo mundo, indistintamente, rico ou pobre, no Norte ou no Sul, no Leste ou no Oeste. Afinal, compartimos o mesmo planeta Terra e ele funciona com sistemas ecológicos totalmente interdependentes, mesmo se seus efeitos se manifestem de forma muito diversa. Se há uma verdade incontornável é esta aí: a vida, a biosfera e as sociedades são profundamente imbricadas entre si. Não há economia capaz de contornar tal verdade. No entanto, governantes fazem de conta que levam a sério o clima, mas desde que os negócios sejam preservados. Como? Esperemos ao menos que o modo Trump de tratar o problema – negando a sua existência – não acabe prevalecendo.
Estamos diante de uma ideologia e de um poder político a serviço da economia neoliberal globalizada. Os velhos imperialismos se mostram disfuncionais na atualidade diante de um capitalismo que se libertou dos ultrapassados limites nacionais. Mas não existe ainda uma estrutura global legitimada deste poder dominante. O G7 e agora o G20 ocupam tal espaço, mas sem grande coesão e eficiência política. E a ONU perdeu totalmente inspiração e deixou de ser ao menos uma referência ética de que compartimos o mesmo mundo, apesar de nossas diversidades.
A gente tem combatido o neoliberalismo como uma agenda econômica. Na verdade, ele é um sistema de poder político, de hegemonia, com valores, ideias, consensos gerados, tudo em favor da centralidade do livre mercado. É um projeto contra o poder crescente do trabalho frente ao capital, como nos lembra muito bem David Harvey. Como projeto político ele foi se materializando desde os anos 1970, com pesado financiamento empresarial em think tanks (Instituto Manchattan, fundações Ohlin e Heritage, entre outras), levando adiante as idéias de Friedrich Hayek e Milton Friedman. Em 1970 eles criaram o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, como encontro de empresários, executivos, banqueiros, governantes, academia e mídia em torno ao projeto de conquista da hegemonia neoliberal. O seu impacto foi evidente nos governos Reagan e Tatcher, nas organizações multilaterais como o BM, FMI e, depois, na montagem da OMC. A hegemonia do neoliberalismo se manifesta plenamente no pensamento único que se impôs no meio universitário das faculdades de economia pelo mundo.
O G20 é revelador da crise que vivemos como humanidade e de um planeta ameaçado em sua integridade. Trata-se, não há dúvida, de uma reunião dos governantes que estão a serviço dos donos do mundo. Seu problema não é a humanidade e nem o planeta. Sua questão é se acertar diante das contradições que eles mesmos geram como gestores do capitalismo, como o Trump e suas veleidades de volta a um nacionalismo capitalista, quando tem origem no interior dos EUA as principais corporações econômicas e financeiras que operam no mundo hoje. A lógica da globalização foi exatamente reduzir custos pela radicalização de tecnologia e pela redução drástica de custos do trabalho. Por que pagar 10 dólares hora nos EUA se muito menos do que isto pode ser o salário de alguns dias de longas horas nos confins do mundo?
O G20 não pretende e nem tem respostas para os desafios que temos. A própria humanidade está em crise; como bem afirma Edgar Morin, estamos diante de uma “regressão do pensamento e do conhecimento”, fomos levados a ser muito competentes em algo, mas não a pensar. “O pensamento e a consciência estão em regressão em relação às necessidades do mundo atual. (…) Portanto, há uma profunda crise da humanidade que não se dá conta que é uma crise da humanidade”.
Por trás do G20 precisamos ver o verdadeiro sistema de poder e de governo que se busca mudar algo é para nada transformar. As iradas e pouco efetivas manifestações de cidadania nas ruas de Hamburgo são, apesar de tudo, um alerta. Ou agimos, e logo, ou o caminho para a barbárie vai se tornar sem volta. Não temos como evitar a necessidade de começar e apostar tudo na difícil tarefa de avaliar nossos acertos e erros com experiências como o FSM e recomeçar a articular as diversas e dissonantes vozes de resistência a tudo que está aí e, assim, voltar a revigorar grandes movimentos cidadania planetária.
Rio, 07/07/17