O Ibase, juntamente com outras entidades da sociedade civil, assina o manifesto “Pela interrupção dos tiroteios e a proteção das vidas!”, que pede medidas para o fim da violência no Rio de Janeiro. Desta mobilização, ocorreu uma audiência pública que debateu os altos índices de letalidade em decorrência das operações realizadas pela PM, principalmente nas favelas e áreas periféricas do Rio de Janeiro, assim como as políticas de Segurança Pública do estado. Coordenada pelo Ministério Público, a audiência contou com a participação de um grupo da sociedade civil e da vida associativa carioca e fluminense, além de pesquisadores universitários, lideranças comunitárias, jornalistas e outros profissionais.
Leia o manifesto.
Pela interrupção dos tiroteios e a proteção das vidas!
A violência produzida pelo próprio Estado e por grupos de traficantes e paramilitares, que historicamente tem caracterizado o cotidiano da população do Rio de Janeiro, alcançou patamares alarmantes. Se em 2016 tivemos o aumento dos registros de homicídios e de conflitos armados em relação aos anos anteriores, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2017 vivemos uma escalada dramática de mortos e feridos.
Apenas por “balas perdidas” – eufemismo com que se escamoteia o desrespeito de grupos armados à população -, foram 632 vítimas, com 67 mortes, até o final do mês de junho. Além disso, o número de mortes decorrentes de intervenção policial chegou a 120 no final de março, enquanto mais de 85 policiais foram mortos até agora em 2017. E a esmagadora maioria dessas ocorrências se dá em favelas e periferias do Grande Rio, onde se concentra a população negra e mais pobre da sociedade fluminense. É ela que mais sofre com a perda de seus entes queridos e com o trauma de ter que levar uma vida sob cerco.
Quantas outras crianças como Maria Eduarda e Vanessa precisarão morrer para nos darmos conta de que medidas urgentes precisam ser tomadas para alterar esse quadro?
Quando se sabe que as forças de segurança, órgãos do Estado que deveriam zelar pela segurança dos cidadãos, são responsáveis por uma parcela considerável desses casos, a crise se revela em toda a sua desumanidade. Como avaliar uma polícia que, no país, se notabiliza por ser aquela que mais mata e mais morre? Como ignorar que a principal vítima da crise moral, política e econômica que atinge o Rio de Janeiro tem sido a população mais exposta a essa política de guerra? Como não pensar em uma ação genocida contra os pobres, especialmente contra a juventude negra, em um quadro como esse?
A postura de guerra e enfrentamento da polícia compromete todas as dimensões da vida social e econômica do Rio de Janeiro, mas muito especialmente as áreas de saúde e educação. Na saúde, a chegada recorrente de feridos por bala alterou a rotina de atendimento de diversos hospitais e postos de saúde da região metropolitana, não apenas prejudicando o atendimento básico, mas também gerando crescente estresse emocional tanto em quem trabalha, quanto em quem é atendido. Na educação, as redes estadual e municipais têm sido fortemente afetadas. Dados da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro apontam que, no primeiro semestre deste ano, apenas em sete dias todas as escolas públicas de educação infantil e de ensino fundamental puderam funcionar sem ter que interromper suas atividades por causa de tiroteios nas suas cercanias. Isso significa um prejuízo enorme ao projeto de futuro de toda uma geração.
Em face desse grave quadro, diversas instituições da sociedade civil e da vida associativa carioca e fluminense, além de pesquisadores universitários, lideranças comunitárias, jornalistas e muitos outros segmentos profissionais, decidiram se articular, em um fórum permanente, para EXIGIR QUE SEJA IMEDIATAMENTE INTERROMPIDA a forma bélica de atuação que tem caracterizado o trabalho das polícias militar e civil, e para discutir e contribuir na formulação de outras formas de combate à criminalidade.
De imediato, reivindicamos:
1.Um pronunciamento do Governador direcionado à sociedade em geral, mas principalmente aos moradores de favelas e periferias e às famílias de policiais mortos, assumindo publicamente o compromisso de propor medidas que reduzam drasticamente o número de feridos e mortos em função das ações policiais.
2. A criação de um Comitê de Crise para propor e encaminhar ações emergenciais que redefinam a forma de atuação das operações policiais, com participação da sociedade civil, da Defensoria e do Ministério Público.
3. A realização de uma audiência pública, a ser conduzida pelo MP, e com a presença do secretário de segurança, na qual se apresente os dados da violência, como ela se distribui, quais as atuais diretrizes da política de segurança e quem são os responsáveis no âmbito das forças de segurança pela agressão moral, física e, sobretudo, pela letalidade da população civil;
Os signatários desse manifesto entendem que essas propostas são apenas os passos iniciais para que as forças de segurança do Rio de Janeiro atuem numa perspectiva republicana e democrática, compatível com o que determina a Constituição, reconhecendo que sua função primordial é a defesa da vida, da integridade física e dos direitos fundamentais dos cidadãos.