Sandra Jouan, assessora de direção do Ibase
O Rio de Janeiro se prepara para mais uma transformação. Novamente, o centro da cidade é o foco de um projeto municipal que pretende promover a recuperação urbanística, social e econômica dos bairros da região. Trata-se do Reviver Centro, cujo objetivo, segundo a Prefeitura do Rio, é estabelecer diretrizes para a gestão, qualificação e manutenção do espaço público e dos bens históricos de uma área de 5,72 quilômetros quadrados. Para movimentos sociais e lideranças de ocupações, não está colocado como será feita a inserção de atuais moradores no novo projeto e o risco é de favorecimento à especulação imobiliária.
As bases para gestão democrática das cidades estão contidas no Estatuto das Cidades, aprovado em 2001. Um de seus instrumentos para esta gestão é o Plano Diretor, que expressa o ordenamento de cada município, assegurando o atendimento das necessidades das cidadãs e dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas. O Plano Diretor da cidade do Rio de Janeiro, elaborado em 1991, foi revisado em 2011, estabelecendo as bases da Política Urbana e do Desenvolvimento Sustentável da Cidade até 2021.
A revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro teve início em 2018. Em março de 2020, com o isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19, as atividades presenciais foram suspensas e o debate passou a ser feito por plataformas online e enquetes digitais. Organizações representativas da sociedade civil foram convidadas, através de chamamento público, a se juntarem aos técnicos municipais para participarem dos grupos de elaboração do Plano Diretor do Rio.
Para o Fórum Popular do Plano Diretor da Cidade do Rio de Janeiro, constituído por mais de 80 entidades da sociedade civil, movimentos sociais e universidades públicas, no entanto, é necessário que o processo de discussão seja mais democrático e participativo, com espaço para que todos/as os/as moradores/as da cidade possam contribuir com esta construção. A participação da população nas discussões e debates sobre o futuro de sua cidade é um direito inalienável de qualquer cidadão/ã, escolha que não pode ser atribuição exclusiva do poder público.
A proposta do programa “Reviver Centro” – PLC 11/2021, enviada pela prefeitura e aprovado pela Câmara Municipal em Junho deste ano, cria “incentivos urbanísticos” para a construção de moradias e prevê a conversão de prédios comerciais em residenciais ou de uso misto na região do Centro e da Lapa. O PLC 11 implementa também a chamada Operação Interligada, em que empreiteiras que investirem na recuperação de imóveis residenciais da região central terão direito a construir em outros bairros como Ipanema, Copacabana e Tijuca.
Apesar do “Reviver Centro” apresentar transformações necessárias, o projeto não traz propostas relacionadas à produção de habitação de interesse social, assim como não traz a definição de imóveis vazios para locação social, ou prevê a construção de um projeto de valorização da memória e a cultura local. O Reviver Centro também não apresenta propostas que atendam à demanda dos ambulantes, da população de rua e dos cortiços residentes da área central, demonstrando um total descaso com a vida daqueles que não se sentem vistos, nem reconhecidos, dos invisíveis aos olhos da sociedade.
Colocam-se aqui algumas questões: a falta de articulação do programa Reviver Centro com o Projeto Porto Maravilha; os impactos das transformações fragmentadas e desarticuladas com os bairros vizinhos Santo Cristo, Gamboa, Caju e Saúde e com o morro da Providência; as consequências para população local desse “desenvolvimento imobiliário mais flexível”.
Os espaços urbanos da cidade do Rio não são inclusivos, solidários ou democráticos, são territórios segregados e neles as desigualdades se manifestam de diversas formas, fruto de uma sociedade concentradora de renda, racista, machista, misógina e homofóbica. É preciso falar deste processo de invisibilidade existente na cidade do Rio, tornando evidente o que “teima ficar falsamente dissimulado”, além das atitudes preconceituosas contra os pobres, as mulheres, os/ as negros/negras e a população LGBTQI+ que impedem de fato que todos/as possam usufruir de forma plena sua cidadania.
Pensar a cidade do Rio de Janeiro é uma ação coletiva que requer o envolvimento de todos/as que vivem e reproduzem suas vidas nela. A pior forma de violência nesta vivência é privilegiar olhares e invisibilizar outros, um processo cujo resultado nos remete à perpetuação de uma cidade desigual que subtrai direitos do bem viver de grande parcela da população. É necessário dar visibilidade aos múltiplos pontos de vista sobre o Rio de Janeiro e suas particularidades. Só assim poderemos construir um futuro em que todos e todas poderão exercer, de fato, sua cidadania plena, respeitando o direito de ser e de desenvolver suas potencialidades.