Por Sandra Jouan, assessora da direção e responsável pelo processo de Compliance e LGPD no Ibase
Ao longo dos últimos anos, o cenário político no Brasil vem estabelecendo obstáculos cada vez mais frequentes para o desenvolvimento de atividades das organizações da sociedade civil (OSCs), dos(as) defensores(as) dos direitos humanos dos movimentos sociais. De forma cada vez mais intensa, esses grupos acabam sendo impactados por atos que vão além da criminalização na esfera penal, mas também por uma espécie de criminalização administrativa-burocrática. É preciso discernimento e compreensão para perceber quando tentam nos tolher no que há de mais genuíno na nossa missão – a defesa de direitos e da democracia – ou quando estamos sim diante de uma necessária mudança em nossa forma de organização e prestação de contas à sociedade em geral.
Como exemplo de desafios que agora temos que lidar, estão as alterações promovidas pela legislação, sobretudo as relacionadas à Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013), ao Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei 13.019/2014), à Lei sobre Conflito de Interesses (Lei 12.813/2013), a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) e a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/ 2011). Todas apresentam uma série de obrigações que deverão ser cumpridas pelas OSCs – inclusive de fiscalização das relações com o poder público. Diante de exigências que muitas vezes drenam nossa capacidade institucional de funcionamento, temos ousado no compromisso de manter nossa legitimidade política e legal para seguir atuando na defesa de interesses da sociedade. Os entraves tornam-se dificuldades; e as dificuldades são vistas como desafios para nosso aperfeiçoamento.
Mesmo no caso específico do Ibase – uma organização que há mais de 40 anos atua dentro de todas as exigências e recomendações legais – as adaptações às novas leis estão sendo paulatinamente assimiladas. Desde maio de 2022, estamos nos adequando às ações de integridade e de proteção de dados pessoais, buscando a identificação e adoção de medidas preventivas que possibilitem sanar interna e antecipadamente possíveis irregularidades, contribuindo para implantação de uma cultura ética organizacional de maior transparência, justiça e responsabilidade.
Para atualizar o conceito de integridade corporativa de acordo com sua história e cultura organizacional, o Ibase conta com uma consultoria de prestação de serviços técnico-jurídicos para o alinhamento da implantação do Programa de Integridade e de Adequação à Legislação de Proteção de Dados. Com esse auxílio específico, estamos avançando nas discussões sobre documentos, metodologias sobre riscos, medidas de mitigação, revisão e elaboração de normas de conduta e de proteção de dados e de procedimentos práticos. Trata-se também de criar um ambiente adequado para adaptar nossos princípios éticos a novos processos.
Outras medidas que se somam a todo esse movimento organizacional são os cursos de aperfeiçoamento promovidos por apoiadores como Pão para o Mundo (PPM) e Misereor. Ainda em 2022, o Ibase participou do curso “Introdução ao Compliance em OSCs”, oferecido por PPM, com o objetivo de estimular a adoção de práticas de integridade e aperfeiçoamento das políticas de boa governança institucional. Já em 2023 estivemos presentes em duas oficinas promovidas pela Misereor sobre fenômenos da violência, medidas de salvaguarda, especialmente para crianças e adolescentes, e gestão de riscos. Até maio, também estamos nos dedicando ao curso “A adequação das OSC à LGPD”, mais uma vez oferecido por PPM, que tem como finalidade oferecer um conjunto de informações que permitam aos gestores de OSCs promover os ajustes necessários à nova lei, protegendo os dados de colaboradores(as) e público atendido contra vazamentos de informações sensíveis.
São processos que se iniciaram como uma dificuldade a mais para nossa atuação, mas que se revelaram potencializadores de nossa missão. Estar em conformidade com estas medidas alicerçadas em integridade e princípios éticos consoantes com nossa prática histórica não é uma tarefa estanque, mas integrada, dinâmica, contínua e em frequente diálogo. O resultado tem sido o aperfeiçoamento da gestão institucional e o fortalecimento do Ibase na sua missão como organização de cidadania ativa, que produz e formula conhecimentos, análises, questões e propostas como argumentos para a ação democrática transformadora.