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O cuidado com os comuns naturais é o caminho para o futuro

Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase

Começa em Paris a COP-21, uma Conferência sobre o Clima com a presença de líderes de 190 países. Trata-se de mais um esforço em busca de consensos e acordos sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Questão de fundo é a ameaça de uma mudança climática de efeitos catastróficos nas próximas décadas. Mas alguém acredita na Conferência? Será diferente da COP-15, em 2009, em Copenhgen? Será mais uma decepção, como na Rio+20? Nada indica que desta vez os líderes governamentais cheguem a algo para valer. Estamos comprometendo o futuro das novas gerações com a nossa irresponsabilidade de hoje.

A atmosfera, bem comum planetário, sofre devido à ação humana, particularmente o modelo industrial produtivista e consumista, baseado na energia fóssil como seu motor, e na busca desenfreada do lucro e da acumulação como sua motivação. Para voltar a cuidar do planeta e manter a integridade de seus sistemas ecológicos, condição para a vida, só com mudanças profundas no nosso modo de tratar a natureza. Desativar a bomba do atual modelo civilizatório e transitar desde já para um modelo de sustentabilidade da vida, de todas as formas de vida, da humanidade, das nossas sociedades e suas maravilhosas culturas, com justiça e dignidade para todas e todos, exige uma radical mudança de mentalidades e práticas em todas as esferas do poder, da economia e na própria sociedade civil e seus estilos de vida. O imaginário mobilizador não pode ser o de ter mais e mais bens para consumir, mas sim de viver bem, com outra forma de organizar a economia e o poder. Para isto acontecer, nós, cidadania do planeta, precisamos ser a força de inspiração e de pressão, a começar pelos nossos territórios de morada e vida. As marchas pelo clima de 29 de novembro e a pressão em Paris são fundamentais, sem dúvida. Mas precisamos de uma cidadania ativa planetária em 365 dias do ano e em todos os próximo anos, do local ao mundial, sem tréguas.

Nas últimas semanas, no Brasil, em função do rompimento da barragem de rejeitos da Samarco, em Mariana, Minas Gerais, com mortes e uma enorme devastação na bacia do Rio Doce, ao menos voltamos a discutir o meio ambiente e o impacto do extrativismo mineral em nossas vidas. O fato é que não é só a mineração o nosso problema. O desmatamento incontrolável que avança em todos os biomas, os agrotóxicos usados sem controle pelo agronegócio e que acabam contaminando os rios, os rejeitos industriais e a falta de saneamento, a valorização do carro individual como status e meio de transporte, para falar dos grandes problemas, atravessam o país. Mesmo a falta de água que ronda a Região Sudeste não nos fez debater direito o que se passa no país da maior reserva natural de água doce do mundo. A consciência e a prática dos comuns como rede de vida – é disto que se deveria tratar em Paris ao falar de mudança climática, um fenômeno térmico vital, sem dúvida, mas decorrente do modo de usar os comuns naturais de todos – está longe de ser uma realidade incorporada na nossa vida. Esperar de nossos governantes e dos empresários é uma roubada.

Nós aqui do Rio temos evidências demais de todos os problemas ligados à mudança climática. Lembro a destruição da Mata Atlântica e de seu impacto na perda da biodiversidade e no ciclo da água. Olhando em particular para o bem comum água, é simplesmente vergonhoso o modo como tratamos o rio Paraíba do Sul, vital para a água de consumo da maior parte da população, e a nossa agredida baía da Guanabara, o nosso belo piscinão natural e área comum de pesca para muitos. Como ter água de qualidade na torneira é indispensável – e muitos aqui na cidade e região metropolitana do Rio ainda nem tem! – pensar urgentemente em como preservar o Paraíba do Sul é inadiável. Afinal é de lá que vem o fundamental de nossa água… e ela pode acabar como acabou em Cantareira, em São Paulo.

A agressão ao Paraíba do Sul e aos seus afluentes é de séculos. Viajando pelo vale do rio, a gente vê uma paisagem de terras nuas, com pastagens pobres e bois esqueléticos, quando não florestas homogêneas de eucaliptos (verdadeiros “desertos verdes”, no entender dos movimentos sociais), na maior parte do território. A Via Dutra acompanha o rio no trajeto para São Paulo. O rio parece um teimoso curso de água, sem a majestade descrita por viajantes de outros tempos, no seu caminho por cidades costeiras até o mar, passando por Resende, Volta Redonda e Campos, das mais importantes cidades interioranas do Rio. Mas o sistema Guandu, de abastecimento da cidade do Rio, depende essencialmente do Paraíba do Sul. Sua destruição e perda de capacidade em termos de água diz respeito a todos nós.

Penso que deveríamos tomar o concreto do rio Paraíba do Sul como questão maior de cidadania do Rio de Janeiro. Assumi-lo como um comum, cuidá-lo como um comum, voltar a cantá-lo e imaginá-lo como um comum, compartido entre milhões, é a maneira de salvar o próprio rio. Mas a tarefa é urgente, para ontem. Não podemos esperar que São Pedro e as chuvas de verão resolvam a destruição até aqui praticada. Pode até continuar tudo como está no imediato. Mas nada garante o futuro seguindo o mesmo curso. O resgate do Paraíba do Sul como um comum de toda a cidadania do Rio poderia nos dar uma base para ousadias em outros planos. Penso que a reconstrução do nosso imaginário, do poder e da economia do estado do Rio pode vir de um esforço coletivo em torno à nossa água, ao nosso Paraíba do Sul. Talvez este seja o concreto que nos falta para sair da insustentável e até mirabolante dependência dos royalties do petróleo, de um Rio cidade global, das benesses do mesmo desenvolvimento predatório, que nossas elites nos venderam e continuam vendendo. Precisamos voltar a pensar como tornar o Rio mais e mais cidadão, participativo, justo e democrático. Trazer os comuns ao centro do debate pode nos mobilizar e unir. Além do Paraíba do Sul e de nossa água, temos a despoluição da baía da Guanabara – que significa também saneamento básico -, os “mosaicos” da Mata Atlântica, a começar pelo Mosaico Carioca, em plena cidade, como frentes concretas em termos de comuns naturais.

A consciência e a prática dos comuns podem nos tirar da pasmaceira política sobre quem faz o melhor ajuste para o desenvolvimento do Brasil. Mais, pode renovar a política tomada por interesses corporativos e patrimonialistas que nos levam ao desastre. Pensar alternativas para voltar a crescer – e destruir, diga-se de passagem – não basta! Pensar nos comuns e começar pelos que pegam no pé de todo mundo, é um modo de reagir e apontar caminhos.

Enfim, uma agenda substantiva para a cidadania ativa mudar a cidade e o estado está ao alcance das mãos. Mas precisamos nos convencer que precisamos fazer a nossa fundamental e insubstituível parte nesta nova história. Certamente, no final, contribuiremos também para o bem comum planetário, a atmosfera, sem esperar dos acordos vindos de cima, de Paris ou de outro encontro diplomático para evitar compromissos sérios com nossos comuns.

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