Rio de Janeiro, 2
Por Carlos Bittencourt
Do site Insurgência
No último dia 27, a equipe econômica do novo governo Dilma veio a público apresentar os eixos principais de sua atuação para os próximos três anos. Ministro da Fazenda Joaquim Levy, Ministro do Planejamento Nelson Barbosa e, mantido no cargo, presidente do Banco Central Alexandre Tombini.
Leram os discursos, os três. Os revisaram mutuamente, fica claro pela menção, logo de cara, de Barbosa a Levy, justamente sobre o “objetivo de elevação gradual do resultado primário”, qual seja, a parte do Orçamento Público destinado a remunerar o capital privado, através do pagamento dos juros da Dívida Pública. Justamente a primeira coisa dita por Levy, após apenas a saudação ao ministro que deixa o cargo: “O objetivo imediato do Governo e do Ministério da Fazendo do Brasil é estabelecer uma meta de superavit primário, para os três próximos anos, compatível com a estabilização e declínio da relação dívida bruta do governo geral com o percentual do PIB”. Isso significa, segundo o novo ministro, um superavit de 1,2% do PIB em 2015 e 2% do PIB em 2016 e 2017.
Continua: “alcançar essas metas é fundamental para o aumento da confiança na economia brasileira e criará a base para a retomada do crescimento econômico e a consolidação dos avanços sociais e institucionais dos últimos 20 anos (SIC!!!).
Pergunto: aumentar a confiança de quem na economia brasileira? Aumentar a confiança dos donos do capital. E como? Doando-lhes cerca de 35 bilhões de dólares anuais e torcendo para que eles injetem esse dinheiro público em seus negócios privados de maneira que faça crescer a economia. Para que? Consolidar, menos que ampliar, os avanços que se construíram, em continuum, desde os anos FHC até aqui. Arrisco essa opinião em consonância com o novo Harry Potter do mercado editorial, “O Capital”, de Piketty, que diz:
“Do ponto de vista daqueles que dispõem dos recursos, é evidentemente bem mais interessante emprestar uma quantia ao Estado (e depois receber os juros ao longo de décadas) do que pagá-la sob a forma de impostos (sem contrapartida). Além disso, o fato de que o Estado aumentou, por meio de seus déficits, a demanda total por capital não pode gerar outro efeito senão o de elevar o rendimento do capital. Isso serve aos interesses daqueles cuja prosperidade depende do retorno dos seus investimentos em títulos públicos”.
A combinação e precisão das leituras deram ao momento um tom grave, informando a nomeação com um clima de suspense e tensão. Para os imaginosos, foi possível ver os raios, trovões e tempestades, contra os quais os três cavaleiros propõe as secas e áridas políticas da austeridade. Concorreram, disparados no número de citações nas três intervenções que tiveram juntas menos de 18 minutos, as palavras inflação, com onze menções diretas e uma indireta e superávit primário, com sete menções diretas e uma indireta. Seguidas por cinco menções à poupança e ao setor privado.
Tendo participado do primeiro governo Lula – o mais conservador em termos de política econômica, no período de maior bonança recente do capitalismo mundial (2003-2006) – Joaquim Levy é também conhecido pela vulgata “Mãos de Tesoura”, por seus cortes nos “gastos” públicos. Apesar da crítica na campanha eleitoral à relação de Marina Silva com o Itaú e ao ministro de Aécio, Armínio Fraga, o caminho optado pelo governo foi a escolha para o Ministério da Fazenda de um homem de confiança do mercado financeiro, vindo do Bradesco e comprometido com o arranjo neoliberal.
Os ventos do arrocho e da austeridade sopram já. Apertar os cintos do Estado, espremê-lo para doar boa parte do sumo do orçamento público para a iniciativa privada. Racionar recursos da maioria para manter a fartura de uma minoria. Infelizmente, as correias que ligam as organizações do Bloco Histórico no poder (as de origem operária e as de origem burguesa) já fazem girar a engrenagem que se abaterá sobre a cabeça dos trabalhadores e trabalhadoras. A Central Única dos Trabalhadores, ao lado da Força Sindical, apresentaram ao governo uma proposta em que admitem a diminuição de salários, na possível crise vindoura, em até 30%. Justamente no momento em que as lutas dos trabalhadores através de greves e mobilizações (os números atuais só perdem para o pico das greves da década de 80) têm conseguido sucessivos acordos vitoriosos. Infelizmente, eles também passaram a acreditar na velha e mil vezes fracassada tese de que para os trabalhadores irem bem é preciso que os patrões estejam muito melhor.
Aí está o dilema. Os 99% de brasileiros estão dispostos a se sacrificar em nome do benefício dos 1% mais ricos? Diante da crise dos patrões, os trabalhadores vão abrir mão de lutar por uma parcela maior da renda nacional, vão recuar de suas mobilizações e greves, aceitar a diminuição dos investimentos públicos, apaziguar o espírito que tomou as ruas do país? Ou buscar forçar, justamente por estarem enfraquecidos os patrões, mais direitos, mais conquistas, mais renda? O governo do Partido dos Trabalhadores e a sua Central Única parecem já terem tomado lado nesse dilema. Será que se aproxima o momento no qual estas ferramentas políticas e sociais se deslegitimarão por completo aos olhos daqueles que buscavam representar, anacronizando seus próprios nomes?
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Foto: Carlos Bittencourt/Acervo Ibase