por Athayde Motta*
A cidade do Rio de Janeiro chega aos 456 anos de sua fundação no mesmo mês em que o Ibase completa 40 anos de luta pela democracia e justiça socioambiental, contra o racismo, o machismo e toda forma de intolerância. Idealizada por Betinho, Marcos Arruda e Carlos Afonso, nossa instituição chega a quatro décadas de atuação firme na defesa de direitos, principalmente dos mais pobres. O Ibase tem a alma e o DNA cariocas. Resistimos apesar das dificuldades que volta e meia atingem as ONGs, mas nunca deixamos de acreditar no exercício da cidadania e do voto direto como forma de melhorar a vida de cada um(a) de nós.
Nossa história, assim como a da cidade do Rio de Janeiro, sempre foi aberta à cultura, à diversidade e à participação de setores diversos. Desenvolvemos projetos com empresas privadas e estatais, e com organizações internacionais com a mesma naturalidade com que desenvolvemos pesquisas com coletivos de favelas ou organizações quilombolas e/ou indígenas. Esse caminhar em diferentes lugares e as relações que temos com as mais diversas representações da sociedade são herança direta de Betinho, um sociólogo que sempre soube desvendar as reais urgências da agenda para transformar o Brasil em uma nação, no sentido mais amplo, na forma de garantir acesso à direitos básicos a todos e todas. Seu olhar sobre a fome que assolava o país no início da década de 1990 foi o que transformou em indignação o que muitos ainda viam com indiferença. Sua forma de chamar à participação de toda a sociedade para o combate à fome transformou-se na Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e pela Vida, movimento autônomo e voluntário que existe – e se faz necessário – até os dias atuais.
Apesar de sermos uma organização de ação global, com participação em projetos emblemáticos como a Cúpula dos Povos (evento paralelo à Conferência Mundial do Meio Ambiente, em 1992) ou o Fórum Social Mundial, que surgiu em 2001 e continua em edições temáticas até hoje, a atuação no âmbito local sempre foi uma marca da história do Ibase. Da contagem de meninos e meninas de rua, no início da década de 1990, passando pela Agenda Social Rio 2004, passando por planos de desenvolvimento local do projeto Morar Carioca, o Ibase sempre fez da cidade do Rio de Janeiro seu laboratório de práticas e exercícios de transparência com governos e empresas.
A data de hoje poderia ser apenas para comemorar a linda cidade em que vivemos e reafirmar nosso compromisso em continuar atuando para que suas tristes e históricas desigualdades cheguem ao fim. Mas não será possível. O que vivemos hoje é uma verdadeira tragédia em termos de participação, tanto das ONGs mais tradicionais como dos coletivos de periferias que viram seus financiamentos e locais de atuação sendo esquecidos pelo Poder Público. Não bastasse esse lamentável retrocesso – inclusive com o fechamento de conselhos de composição mista pela gestão municipal anterior – ainda vivemos uma grave crise sanitária, com o aumento de mortes por Covid 19 e a indefinição da chegada de novas vacinas. O Rio de Janeiro precisa voltar a ser o polo que irradiava cidadania, alegria e cultura para todo o país.
Um levantamento feito recentemente pela instituição social Circo Crescer e Viver apontou que na Região Central da cidade, 6 em cada 10 famílias vivem em extrema pobreza, revelando o alto grau de vulnerabilidade dessas pessoas. Em pleno centro financeiro e político carioca, a quantidade de famílias morando nas ruas é algo desconcertante até para o mais desatento dos transeuntes. Em muitos aspectos, para o bem ou para o mal, é impossível separar totalmente a cidade do Rio de Janeiro de sua Região Metropolitana, onde está a maior parte das periferias. E o que o tempo tem mostrado é o aprofundamento da desigualdade que se acumula tanto nas áreas centrais da cidade quanto nestas periferias que continuam a bombear vida, cultura e trabalho que são fundamentais para manter a imagem da Cidade Maravilhosa.
Precisamos voltar a olhar com indignação esse quadro atual e voltar a agir como responsáveis por cobrar políticas públicas efetivas para o que realmente precisamos resolver. Nós do Ibase estamos na torcida para que o Rio de Janeiro seja melhor para turistas e investidores, mas principalmente para seus moradores(as). Estamos também na cobrança para que nossa cidade volte a ser bela e alegre, mas queremos também que volte a ter espaços efetivos de participação na sua gestão. Como dizia Betinho, “sem participação cidadã, não se faz democracia”.
*Athayde Motta, carioca do Encantado, portelense, diretor executivo do Ibase e membro da Diretoria Executiva da Associação Brasileira de ONGs (Abong).