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Muito além da polêmica sobre a presença ou não da PM no campus da USP

Por Raquel Rolnik
texto publicado originalmente em seu blog
Ontem participei, a convite do Grêmio da FAU, de um debate sobre a questão da segurança na USP e a crise que se instalou desde a semana passada, quando policiais abordaram estudantes da FFLCH, cujos colegas reagiram. Além de mim, estavam na mesa  o professor Alexandre Delijaicov, também da FAU, e um estudante, representando o movimento de ocupação da Reitoria.
Para além da polêmica em torno da ocupação da Reitoria, me parece que estão em jogo nessa questão três aspectos que têm sido muito pouco abordados. O primeiro refere-se à estrutura de gestão dos processos decisórios dentro da USP: quem e em que circunstâncias decide os rumos da universidade? Não apenas com relação à presença da Polícia Militar ou não, mas com relação à existência de uma estação de metrô dentro do campus ou não, ou da própria política de ensino e pesquisa da universidade e sua relação com a sociedade. A gestão da USP e de seus processos decisórios é absolutamente estruturada em torno da hierarquia da carreira acadêmica.
Há muito tempo está claro que esse modelo não tem capacidade de expressar e representar os distintos segmentos que compõem a universidade, nem de lidar com os conflitos, movimentos e experiências sociopolíticas que dela emergem. O fato é que a direção da USP não se contaminou positivamente pelas experiências de gestão democrática, compartilhada e participativa vividas em vários âmbitos e níveis da gestão pública no Brasil. Enfim, a Universidade de São Paulo não se democratizou.
Um segundo aspecto diz respeito ao tema da segurança no campus em si. É uma enorme falácia, dentro ou fora da universidade, dizer que presença de polícia é sinônimo de segurança e vice-versa. O modelo urbanístico do campus, segregado, unifuncional, com densidade de ocupação baixíssima e com mobilidade baseada no automóvel é o mais inseguro dos modelos urbanísticos, porque tem enormes espaços vazios, sem circulação de pessoas, mal iluminados e abandonados durante várias horas do dia e da noite. Esse modelo, como o de muitos outros campi do Brasil, foi desenhado na época da ditadura militar e até hoje não foi devidamente debatido e superado. É evidente, portanto, que a questão da segurança tem muito a ver com a equação urbanística.
Finalmente, há o debate sobre a presença ou não da PM no campus. Algumas perguntas precisam ser feitas: o campus faz parte ou não da cidade? queremos ou não que o campus faça parte da cidade? Em parte, a resposta dada hoje pela gestão da USP é que a universidade não faz parte da cidade: aqui há poucos serviços para a população, poucas moradias, não pode haver estação de metrô, exige-se carteirinha para entrar à noite e durante o fim de semana. Tudo isso combina com a lógica de que a polícia não deve entrar aqui. Mas a questão é maior: se a entrada da PM no campus significa uma restrição à liberdade de pensamento, de comportamento, de organização e de ação política, nós não deveríamos discutir isso pro conjunto da cidade? Então na USP não pode, mas na cidade toda pode? Que PM é essa?
Essas questões mostram que o que está em jogo é muito mais complexo do que a polêmica sobre a presença ou não da PM no campus.

Comentários 3

  1. Yara Amado
    10 de novembro de 2011

    Excelente abordagem; me chamou atenção sobre o assunto, algumas entrevistas feitas pela rede globo a mestrandos da Usp que, em plena agitação pós desocupação, ainda com estudantes detidos, mostravam-se completamente alheios ao que estava acontecendo e, um chegou a expressar para as câmeras “nem parece que é aqui” no que foi apoiado pela reporter que fez questão de caracterizar o movimento como liderado por “um pequeno grupo de pesssoas”.

  2. Yara Amado
    10 de novembro de 2011

    Excelente abordagem; me chamou atenção sobre o assunto, algumas entrevistas feitas pela rede globo a mestrandos da Usp que, em plena agitação pós desocupação, ainda com estudantes detidos, mostravam-se completamente alheios ao que estava acontecendo e, um chegou a expressar para as câmeras “nem parece que é aqui” no que foi apoiado pela reporter que fez questão de caracterizar o movimento como liderado por “um pequeno grupo de pessoas”.

  3. @EdnéiaPenha
    11 de novembro de 2011

    Concordo totalmente com o exposto. Os modelos de gestão pública aos quais estamos submetidos em todo território nacional é arcaico e nada funcional. É pertinente a reinvidicação dos estudantes por melhorias e evolução não somente do pensamento retórico, filosófico e moral, mas também nas estruturas físicas em que esse público está inserido. Mesmo com todas as condolências, não é justificável o uso de drogas.
    Sou contra as drogas não apenas pelo espectro em que o seu consumo inconsciente traz à sociedade, mas principalmente pelos malefícios que ela traz ao corpo humano. O uso de drogas de qualquer tipo, seja lícita ou ilícita, reflete na perda da saúde física e mental do usuário. Por esse motivo é que discordo do posicionamento de alguns estudantes quanto à repressão policial pelo uso de drogas dentro do campus, apesar de achar que a arbitrariedade utilizada pela polícia passou dos limites. Pensemos: se não formos capazes de manter sãos nossos corpos e mentes, como poderemos cobrar mudanças do poder público? Esse poder público “escolhido” arbitrariamente por nós que deveria ser nosso exemplo de democracia e não é, somente nos responsabilizará pelos nossos atos “errados”, pelas atitudes ilícitas que cometemos aos olhos da sociedade. Mas que se danem os olhos da sociedade, estamos falando de saúde física e mental. E o uso indiscriminado de drogas, mais que um problema social, é um problema INDIVIDUAL de saúde. A escolha pelo uso ou não uso é de cada um. O vício é uma consequencia.
    A mudança que nós queremos deve iniciar por nós. A revolução é possível. Existe repressão, mas devemos lutar contra isso. Temos nossa vontade a nosso favor, temos garra, temos força. Temos inteligência para preparar os melhores planos, temos retórica, persuasão e o mais importante: temos a uns aos outros. A união é a motivação para alcançarmos a justiça social que tanto desejamos. A união é o ingrediente chave para a construção da democracia no nosso estado hipócrita, minimalista e corrupto. A diferença está em nós.

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