por Vítor Costa, pesquisador do Ibase
O debate atual sobre transição energética tem sido atravessado pelo debate imprescindível sobre a mineração, suas condições de governança e os impactos diretos na vida das populações. A discussão está permeada pela disputa de diferentes atores em relação ao significado da transição, principalmente sobre a demanda de um processo de transição energética justa – o que tem sido absorvido discursivamente por muitos desses atores.
No caso da América Latina, dois elementos chamam atenção como ponto de partida para o debate. Primeiro: por que os minerais de transição são chamados de minerais críticos? O que determinaria a condição da criticidade? Outra pergunta que baseia a discussão é sobre qual é o projeto de transição que está sendo levado a cabo numa perspectiva de nível internacional.
Não são respostas simples, mas é importante considerar que as duas compartilham de uma premissa em comum: a ausência de uma política autônoma, seja em nível nacional ou regional, sobre como lidar com as demandas da transição energética. De um lado, a determinação da criticidade dos minerais sempre atendeu às convenções e demandas produzidas pelos centros de pesquisa e organismos estatais dos países do centro capitalista. A criticidade enquanto definição sempre foi relativa. Outrora, estes eram os minerais necessários para garantir a política de guerra. Hoje, são os minerais necessários para garantir a transição.
Aí, então, entra uma questão importante. A definição de criticidade, oriunda dos centros, está baseada na condição de oferta e acesso aos minerais que os países do centro necessitam para garantir as condições de reprodução de suas economias. Economias profundamente baseadas no consumo, no uso intensivo de energia e com horizontes infindáveis de crescimento econômico.
Neste caso, o que se tem de panorama não é uma novidade na economia-política da região. Se perpetua a condição de dependência. Uma região condenada a produzir matérias-primas, exportá-las sem nenhum grau de beneficiamento ou produção de valor agregado e depois, quiçá, receber os produtos manufaturados nos recortes do globo que um dia foram metrópole.
Enquanto aqui se relegam as zonas em sacrifício, condensando a espoliação de recursos, os impactos socioambientais e as condições mais precárias de convivência com os efeitos da mudança do clima, nos Estados centrais a realidade é diferente. Lá se preservam os círculos de acumulação e o usufruto das políticas de mitigação e adaptação ao cenário de esgotamento climático do planeta.
Diante disto, os movimentos sociais têm disputado os significados desta transição. Primeiro, reivindicam que apesar da absorção do slogan, as premissas acima expostas deixam claro que não estamos falando de uma transição justa. No nível territorial, a população atingida pelos projetos de transição, o que incluem as populações historicamente impactadas pela mineração. Assim, uma das primeiras demandas territoriais envolve o direito de dizer não, de deixar os minerais embaixo da terra. Nesta discussão estão envolvidos os direitos de soberania territorial e autodeterminação dos povos que, ao menos, deveriam perfazer premissas fundamentais da democracia.
Aqui no Brasil, esta demanda tem sido elaborada por diversas organizações de base juntamente com o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que tem produzido documentos sobre a luta dos territórios livres de mineração. Em relação aos territórios que já convivem com a mineração, o comitê tem levado a cabo um projeto que envolve uma discussão central nos lugares afetados pela mineração: o controle social do uso dos royalties minerários como reflexo de um debate maior sobre os destinos da renda mineral. Essas discussões têm sido importantes para questionar a efetiva geração de renda e a diversificação econômica que não conseguem suplantar os danos ao tecido social, à saúde e aos direitos fundamentais de maneira geral dos grupos e povos atingidos.
Assim sendo, a discussão sobre mineração no contexto de transição apresenta amplos desafios e uma necessária transformação na percepção de quem são os agentes centrais da discussão sobre os objetivos e termos da transição. Está colocada uma disputa de autoridade. A crise climática se insere num cenário de múltiplas crises concomitantes, inclusive a da democracia. E não há saída para este cenário se não houver disputa dos sentidos da política, de quem são os sujeitos com legitimidade para pautar a construção do presente e se não houver a radicalização da construção da justiça climática, racial e de gênero, enfrentando a exploração do trabalho humano e dos recursos da natureza.