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Megaeventos: por trás dos investimentos, famílias atingidas e trabalhadores precarizados

Por Joana Tavares
texto originalmente publicado no Brasil de Fato
Diversos integrantes dos Comitês Populares da Copa – que reúnem acadêmicos, moradores de comunidades, movimentos e organizações da sociedade civil – construíram um dossiê sobre os megaeventos e violações de direitos humanos no Brasil, entregue no mês de dezembro às prefeituras das 12 cidades-sede da Copa, na Câmara dos Deputados, no Senado, diversos ministérios e órgãos federais, além de entidades internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA) e Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“O próprio Ministério Público Federal criou um grupo de trabalho para acompanhar as violações de direitos em megaeventos. Isso já deveria ter sido um sinal de alerta para o governo repensar as coisas. Agora a sociedade civil, articulada em comitês populares da Copa, apresenta um dossiê que prova que a violação tem sido sistemática e deliberada. É um padrão”, afirma o professor Carlos Vainer.
Segundo o relatório, organizado em diferentes eixos – moradia, trabalho, acesso à informação e participação, meio ambiente, mobilidade e segurança pública – pelo menos 170 mil pessoas serão expulsas de suas casas. “Nosso número pode não estar certo, foram estimativas feitas pelos comitês, porque as autoridades não nos dão essa informação. Mas os números não param de crescer; o apetite das empreiteiras, do capital especulativo é infindável”, aponta Carlos.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, militante dos Direitos Humanos e membro do Comitê Popular da Copa de Natal, afirma que o principal problema é a quase total falta de transparência em relação às mudanças que foram feitas no regime de contratos, e a exclusão da sociedade dos processos de decisão. “Nos estados, os gestores também não deram transparência. Disseram primeiro que tinham que confeccionar os projetos, sem que sociedade, em nenhum de seus órgãos representativos, fosse ouvida. Quando cobramos a participação nas reuniões de decisão, tínhamos um espaço reduzido de discussão. Elegeram suas prioridades sem a participação das pessoas e agora querem nos enfiar goela abaixo”, denuncia.
Natal é uma das 12 cidades-sede da Copa. Assim como Manaus, Cuiabá e Brasília, não tem times na primeira divisão, e o público dos estádios em tempos normais não deve chegar às 40 mil pessoas exigidas para estádios da Copa. Mas está sendo construído um grande estádio, com investimento de R$ 400 milhões, R$ 396 desses via BNDES, segundo dados divulgados pelo Ministério do Esporte. Outra grande obra prevista na capital do Rio Grande do Norte é a integração do aeroporto ao setor hoteleiro, passando pelo estádio Arena das Dunas, com o custo de R$ 383 milhões.
Segundo Dionísio, o estádio pode até ser utilizado depois da Copa, sediando grandes eventos como o Carnatal, jogos e shows. “Mas vai ter um calcanhar de Aquiles: o público serão os setores médios, a alta burguesia e os turistas. Os projetos são insuficientes, elitistas, não democratizam o acesso da população ao volume de investimentos, privatizam os recursos”, denuncia.
Um dos exemplos citados é a falta de mecanismos de melhoria do transporte público. “São investimentos para os próximos anos, que poderiam ser alocados em políticas públicas para as próximas gerações, e não na forma de obras faraônicas, que só resolvem os problemas da classe média”, completa Dionísio.
Patrícia Rodrigues, da Marcha Mundial de Mulheres, destaca ainda outro problema da falta de prioridade para a inclusão social: o tráfico de mulheres e a exploração da prostituição. Ela coloca que nesse tipo de evento é comum se colocar o debate da legalização da prostituição, como forma de alavancar o comércio do sexo, como foi feito na Alemanha e na África do Sul. Para a militante feminista, o caminho é aumentar a fiscalização contra a exploração, inclusive escrava, e garantir processos de inclusão econômica. “Não podemos deixar aumentar a verba para prostíbulos e não ter recursos para garantir os direitos das mulheres”, aponta.
O professor Carlos Vainer ressalta que o que está sendo manipulado é o grande apreço pelo futebol e pelo esporte, além da alegria de poder recepcionar pessoas que vêm de fora. “Esses grupos, inclusive a mídia – que cria uma cortina de fumaça por ser cúmplice dos mesmos interesses – estão usando a paixão pelo esporte como um grande negócio, como pretexto para carrear recursos públicos em nome de interesse privados, contrários à coletividade”, destaca.
Exploração do trabalho
Um dos eixos do Dossiê é a questão do trabalho. O texto aponta que praticamente todos os estádios para a Copa sairão de projetos novos, seja de construção ou reformas milionárias, com a pressão da Fifa para que fiquem prontos até dezembro e 2012, a tempo da Copa das Confederações, o “torneio-teste” para a Copa. A conjugação entre obras gigantescas e cronogramas apertados foi responsável por mais uma contradição, talvez a mais explícita de todas: apesar das cifras bilionárias, que incluem recursos provindos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), os trabalhadores são superexplorados, precarizados, excluídos dos retornos e benesses vindas na esteira dos megaeventos.
O governo se orgulha de alardear que serão gerados 700 mil empregos com as obras, incluindo terceirizados e temporários. O ex-ministro do Esporte, Orlando Silva, divulgou que seriam 380 mil postos para a preparação do país e o restante durante a realização dos jogos. “Este número de empregos diretos e indiretos é apenas uma estimativa, sem comprovação até agora, especialmente porque não existe nenhum órgão que acompanhe este tema, no Comitê Gestor da Copa do governo federal, nem nos governos estaduais ou municipais. Inexiste também um espaço que busque garantir que nos investimentos da Copa e Olimpíadas tenhamos empregos de qualidade”, relembra Manoel Messias Melo, secretário de relações de trabalho da CUT.
Ele aponta ainda que a história dos jogos nos outros países é ruim, com abusos na utilização e trabalho terceirizado, temporário, subempregos e até mesmo trabalho escravo e infantil na cadeia de fornecedores oficiais da Fifa e do Comitê Olímpico Internacional (COI).
As irregularidades e superexploração foram denunciadas pelos trabalhadores em pelo menos dez paralisações em seis das cidades que serão sede dos jogos. As reivindicações vão desde o aumento de salários até condições de segurança, de alimentação e extensão da jornada.
Tanto o dossiê da Articulação Nacional dos Comitês Populares como entidades representativas dos trabalhadores denunciam ainda a restrição do direito ao trabalho nas imediações dos jogos, caso se mantenha o controle absoluto da Fifa.
As cinco maiores centrais sindicais do país – CUT, Força Sindical, CGBT, UGT e Nova Central – e a Federação Internacional dos Trabalhadores da Construção e Madeira consolidaram uma pauta única de reivindicações em relação aos direitos dos trabalhadores envolvidos nas obras de construção civil – que inclui obras do PAC e do Minha Casa, Minha Vida, da Copa e das Olimpíadas. O acordo deverá ser assinado em janeiro, entre governo, centrais e entidades patronais.
Manoel Messias acrescenta que há ainda uma reivindicação para que haja uma câmara temática sobre o trabalho no Comitê Gestor da Copa e Olimpíadas, com a presença das centrais e mudanças na Lei Geral da Copa para proteger o direito do trabalhador e ao trabalho.

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