Pedro Martins
do Canal Ibase
Nos dias 29, 30 e 31 de outubro foi realizado o Seminário “Juventudes e Direitos na Cidade” no Rio de Janeiro. O evento fez parte da finalização do Programa OD com o apoio da Ajuda da Igreja Norueguesa (AIN) que teve a duração de 5 anos e desenvolveu diversas atividades em São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Pará , Alagoas e Bahia. Além disso o projeto envolveu 6 ONGs (Fase, Ibase, Diaconia, Koinonia, Ibase, Viva Favela e Ação Educativa) que coordenavam atuações nos territórios juntos aos jovens e, com o apoio do projeto, conseguiram integrar as atividades e potencializar os debates e ações das juventudes envolvidas no projeto.
Linha do tempo mostra força das experiências
Ao olhar a programação do encontro a sensação é de que se está diante de mais um daqueles debates de exposição dos resultados, avaliação e projeção de futuro. Mas quando a conversa inicia é perceptível que a potência do encontro é maior do que aquilo que está escrito em sua programação. Vivências de realidades tão diferentes mas que se unem em objetivos comuns: direito à mobildade urbana, liberdade religiosa, educação de qualidade, participação política dentre tantos outros anseios e necessidades da juventude no Brasil. Tudo isso articulado por uma rede de jovens com ações em territórios durante cinco anos e que deixam como principal legado a organização destes grupos para continuarem a intervir na realidade em busca de mais direitos.
Os relatos das experiência dos jovens trazem inquietações e bastantes elementos para o debate. A militarização e as dificuldades que ela impõe à vida da juventude esteve presente em diversos relatos. Segundo os participantes, muitas vezes é necessário pedir autorização para realizar qualquer atividade, limitando assim a liberdade de expressão. Nesse sentido, a crítica ao papel da polícia e das políticas de segurança é um ponto comum aos participantes, evidenciando que mesmo em cidades com administrações distintas, a política de segurança tem um caráter social comum em todo país.
Além dos relatos dos jovens brasileiros, foi possível ouvir também sobre a situação na Noruega. Mesmo com uma construção social construída com base em mais direitos sociais, é muito comum os jovens do país se engajarem na política e, em geral, com uma radicalização das pautas maior do que os demais participantes dos partidos políticos. Atualmente as lutas mais fortes entre os noruegueses são para não perderem direitos conquistados e por igualdade em todas as suas esferas, como a questão de gênero, por exemplo.
Ainda neste primeiro dia foi estendido um pano para colocar os principais acontecimentos da conjuntura nos últimos cinco anos e as ações que entidade realizou neste período. Parecia que aquele espaço de cerca de cinco metros de cumprimento seria pequeno. No temas nacionais estavam lá a Conferência Nacional de Juventude, as grandes manifestações de 2013, luta pelo direito ao casamento homoafetivo, legalização das drogas, Cúpula dos Povos, Estatuto da Juventude, remoções, megaeventos, debate acerca das desigualdades étnico-raciais, luta por mobilidade, greves e eleições. Somava-se a tudo isso as ações locais, que davam vida ao quadro e evidenciavam como a conjuntura estava sempre sendo refletida em ações de base mobilizando jovens.
Comunicação e cultura: construção coletiva dá o tom
Para um projeto deste porte e com tamanha movimentação, um relatório final parece ser algo que limita demais a exposição das realizações. Por conta disso, e para manter o diálogo e a mobilização junto às juventudes que participaram, foram elaboradas duas propostas de comunicação: uma revista e um documentário. Como não poderia deixar de ser, a construção desses dois materiais foi aberta e todos os participantes do evento opinaram sobre os projetos apresentados apresentando propostas para ao fim se chegar a um produto que reflita toda a coletividade que participou das ações. A partir dessa discussão, a revista e o filme serão finalizados.
Mas como encontros como esse precisam de espaço, uma das atividades programadas foi a visita ao Morro Santa Marta, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Lá, foi realizada uma das campanhas envolvidas no projeto: “Eu quero o Santa Marta limpo!”. Sheila, moradora do morro, guiou a caminhada fazendo algumas paradas que serviam para descanso e para conhecer um pouco mais da história do local, principalmente da realidade da favela após a instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) em 2008. Segundo relatos, apesar de não ter mais confrontos e tiroteios no morro, alguns direitos têm sido negados aos moradores. Dentre eles vale citar a livre expressão cultural da comunidade e a realização de comunicação comunitária, que são geralmente reprimidos pela polícia. E quando a comunidade pede autorização para realização de eventos, tem que contar com a avaliação e a liberação por parte da polícia. Com isso, o principal questionamento colocado é que o único órgão responsável por dialogar com aqueles que moram ali é a Polícia Militar. No mais, mesmo quando as reivindicações dizem respeito a qualquer outro agente do estado passa antes pela UPP.
Mesmo com as adversidades, um dos objetivos do encontro era celebrar. Assim, sexta-feira terminou com uma grande atividade cultural. Poesia, música e festa deram a tônica da noite no Santa Marta com participação do coletivo de cultura do morro. Uma ótima fonte para recarregar as baterias para o encerramento no dia seguinte.
Genocídio dos jovens negros pauta encerramento.
Para fechareste ciclo o tema escolhido foi algo presente na maioria das cidades brasileiras e que revela o racismo e preconceito social institucionalizados pela ação do Estado com relação à juventude negra do país. Dos 30 mil jovens assassinados no país, 77% são negros. Apesar dos números alarmantes, o debate ainda não ganhou a dimensão de radicalizar as políticas públicas de forma estrutural para impedir que este número continue crescendo.
Larissa Borges, do programa “Juventude Viva” avaliou a questão e a atuação do Estado: “Assassinatos estão sendo vistos como violência que necessita da intervenção do Estado. Essa pauta está em alta, mas tivemos derrotas, como a redução da maioridade penal. Morte muito presente no cotidiano dificulta o fortalecimento da resistência.”. Já a outra debatedora, a cientista social Regina Novaes, levantou a questão da naturalização do racismo como um dos principais pontos a ser combatido em nossa sociedade. Regina apontou: “Legislação criminaliza favela e espaços. Eu defendo descriminalização das drogas como um caminho de descriminalizar os territórios ocupados e criminalizados.”.
Ao longo do debate, os participantes também trouxeram relatos de suas experiências acerca do tema e a tônica foi a crítica do atual modelo de segurança pública, que revela uma forma de pensar e construir as narrativas sociais apartando os segmentos mais pobres dos direitos sociais e criminalizando-os. As dificuldades de diálogo com o Estado deram a tônica, tendo em vista que em geral a personificação do mesmo se dá somente pela figura da polícia e por meio da repressão.Uma lógica que os participantes se mostraram engajados em continuar lutando para mudar seja por mais cinco, dez, quinze anos… O quanto for necessário para que a juventude e toda sociedade brasileira conquistem seus direitos. O caminho para manterem esta luta parece ser o sentimento de coletividade que todos expuseram ao longo desses três dias, um grande reflexo de cinco anos intensos de construção.