Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase
Tenho me preocupado com quem já desistiu, com quem já não acredita na política. Pelas estatísticas, o grupo da cidadania que, neste sentido, está desalentado, dado seu tamanho, tem o poder de definir a disputa eleitoral. Não sabemos muito quem compõe este grupo, suas idades, histórias pessoais e sociais, seus sonhos e desejos, os motivos de seu descrédito com o voto e os políticos. Não votar é também uma decisão, um ato de cidadania por assim dizer. Mas que cidadania? Como influir na vida coletiva não votando ou anulando o voto?
Com tais preocupações, tenho assistido a maçante campanha eleitoral pela televisão. De fato, ela em nada ajuda. É, em si mesmo, um tônico de desalento para a participação, algo vital em qualquer democracia, mesmo naquelas em frangalhos como a nossa. Como não desanimar? Até agora, além da prisão do Lula e da novela de sua candidatura – que incomoda e faz muita gente pensar no que está acontecendo em nosso país – o fato politicamente relevante e impactante é o atentado violento contra o candidato Bolsonaro, algo intrinsecamente inaceitável de um ponto de vista humanitário e de cidadania numa democracia que se preze. Mas vale um lembrete ao próprio candidato: será que a intolerância com a diversidade, a liberação do uso de armas e a truculência da repressão violenta podem impedir atos assim no futuro?
Em todo caso, minha questão é sobre os caminhos que temos ou podemos imaginar pela frente. Como um convicto sobre o método democrático de construção de melhores mundos, em minha trincheira de resistência como ativista no atual contexto, reconheço que as idéias estão fora do lugar. A falta de horizontes e de esperança tende a ser maior do que aquele envolvente imaginário mobilizador, que dá força para resistir pacificamente a tudo e para esperar a hora de avançar como cidadania militante, juntando-nos e criando movimentos cívicos irresistíveis. Já soubemos fazer isto na resistência à ditadura e na busca da Anistia, nas “Diretas Já”, no impeachment do Collor, na Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida, no Fórum Social Mundial, nas grandes escolas de cidadania ativa que foram as dezenas de Conferências Nacionais, entre tantas coisas memoráveis.
Como faz 30 anos do assassinato de Chico Mendes e da aprovação da Constituição de 1988, tenho pensando como, hoje, vivemos nossas contradições cotidianas de avanços e recuos, uma verdadeira tragédia coletiva, onde um passo para frente é sempre seguido de um para trás ou, ao menos, para outro lado. Como o desânimo é uma renúncia e, num certo modo, o caminho para a morte, o jeito é resistir. Mas como resistir sem desanimar? Ou, de outro modo, como resistir estrategicamente, por mais difícil que seja? Primeiro, precisamos nos convencer que a história não acabou. O que aconteceu é passado. Está, como nos ensina a filosofia indígena, lá na frente e não volta. O que vem está ainda por chegar, pois, como um rio, vem de trás do ponto onde estamos, daquele lugar que a gente menos olha. Não está decidido se será melhor ou pior, pois é algo passível de nossa ação, de nosso preparo para enfrentar o que vier com as lições do passado e com novos imaginários e desejos. Afinal, ação humana histórica é uma combinação de por circunstâncias e vontades coletivas combinadas. O que vem pode ser feito e conduzido.
Assim, não adianta buscar luz de onde ela não virá: da campanha eleitoral e sua farsa. Para encontrar a luz precisamos discutir, discutir, discutir e muito. O futuro está em nossas mãos, mas precisamos juntá-las, fazer uma corrente. Uma corrente de pensamento, de idéias, e de vontade. Precisamos costurar um sistema de vasos comunicantes entre as nossas trincheiras de resistência em diferentes lugares públicos, territórios de cidadania, espaços de reflexão e ação da cidadania em movimento. Parece difícil? Sem dúvida! Então, o que fazer?
Bem, eu escrevo. Me conecto a 10, 20, 30 pessoas, sei lá. Outras e outros fazem o mesmo. Mas, acima disto, temos o nosso cotidiano na casa, no trabalho, nas ruas, nos bares. Há lugares melhores do que estes para se conectar a outras e outros, falar de nossas buscas e dúvidas, de construir coletivamente o como enfrentar as monumentais adversidades? Por sinal, a campanha eleitoral e os meios de comunicação querem nos imbecilizar. Precisamos aceitar isto? Penso que basta uma pequena pausa para refletir e dizer não. O “NÃO” é uma possibilidade. Não aquele do desalento, mas o que afirma ao negar. Aí entra a imaginação, aquela utopia mobilizadora, que faz acreditar. A história humana está cheia de exemplos de “nãos” virais para algo que parece impossível e que se transformam em “sins” de algum modo, de um limite e de uma afirmação ao mesmo tempo. Estamos diante de um momento assim. Podemos perder, faz parte da disputa eleitoral. Mas ao menos não desanimamos e afirmamos o que buscamos e com quem buscamos. A vitória sempre depende mais da gente do que de tudo mais.
Rio de Janeiro, 10/09/2018