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Por Camila Nobrega
Do Canal Ibase

Doutora em Sociologia e pesquisadora do SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, Betânia Ávila esteve no Ibase no dia 10 de abril, convidada para palestrar sobre os desafios do movimento feminista na conjuntura atual do país. Com 34 anos de atuação, ela fez um panorama sobre a trajetória da luta e falou sobre as perspectivas que ela tem adotado na análise teórica e na prática de militante. Ressaltou que sua perspectiva é de uma luta antirracista, anti-capitalista, anti-lesbofóbica e anti-patriarcal, um feministmo de transformação social. Com a presença de outras militantes feministas no encontro, Betânia dialogou sobre temas polêmicos e respondeu a muitos questionamentos sobre a perspectiva feminista em vários assuntos, como a instituição familiar, o aborto, a lesbofobia, o olhar da mulher sobre questões ambientais, entre outros.
Sobre um dos temas mais quentes na conjuntura, a legalização do aborto, a feminista apontou como um dos problemas centrais a dificuldade de conseguir apoio de outros sujeitos da militância em torno deste tema: “A legalização do aborto, que já foi alcançada em tantos países, no Brasil ainda é tratada como assunto das mulheres. E, pior, ser contra o aborto se tornou cartão de visita de parlamentares que querem se posicionar ‘em defesa da família’.”
A negação do direito ao aborto – que, além de um problema de saúde pública, é uma questão que fere a autonomia das mulheres sobre seus corpos – recai sobre as mulheres de forma desigual, como a feminista também ressaltou: “Quem tem dinheiro sempre fez aborto com mais tranquilidade. As mulheres que não têm ficam expostas e são maltratadas dentro do Sistema Público de Saúde, caso tenham que buscar algum hospital por consequências do procedimento”. Há casos em que as mulheres são presas, como ocorreu em fevereiro deste ano na região de Diadema, em São Paulo, quando uma jovem e 19 anos abortou e foi denunciada pelo médico que a atendeu. Para lutar contra esta situação, foi criada uma Frente Nacional contra a Criminalização e pela Legalização do Aborto, que reúne centenas de coletivos, organizações e movimentos sociais de todo o país.
Além disso, Betânia foi questionada sobre a questão do trabalho desempenhado majoritariamente por mulheres dentro e fora de suas casas, cujo valor é ainda invisibilizado na sociedade atual. Ela chamou atenção para uma armadilha dentro do próprio movimento feminista: “A dimensão do cuidado, com a casa, os filhos, a família como um todo, são afazeres para serem debatidos e cuja lógica precisa ser pensada por toda a sociedade, de forma coletiva, e não individualizada. Mas há um alerta que precisamos ter. O cuidado não pode ser tratado como uma dimensão ética e naturalmente inerente à mulher. Existe um argumento biológico que precisa ser negado. Nossas funções na sociedade são ontológicas, não biológicas.
Ou seja, o foco não é a partir das funções natulizadas como da mulher, mas sob um olhar do trabalho reprodutivo que é uma cadeia de funções e que permite a existência do trabalho dito produtivo. A equação é simples: um homem só pode trabalhar 12, 14 horas por dia, ou dedicar-se integralmente ao trabalho, se houver alguém que faça seu jantar, cuide dos filhos, das roupas, da casa, das contas e até da saúde ele. Todos esses cuidados, que deveriam ser partilhados socialmente, recaem muitas vezes sobre as mulheres e acabam invisíveis.
A discussão se estendeu também a uma pauta de luta que Betânia apontou como uma das principais do movimento, a divisão sexual do trabalho: “A divisão internacional do trabalho nem sempre é uma discussão dentro dos movimentos feministas. Mas essa lógica interfere em nossas vidas, sobre nossos corpos. A globalização intensificou o trabalho reprodutivo, em uma lógica que agora é entre países.”
Por fim, Betânia falou sobre um desafio atual do movimento feminista e também de todos os movimentos sociais: a comunicação e os espaços de construção de narrativas, tendo em vista o nível de concentração da mídia nas mãos de poucas famílias. Para a feminista, é preciso criar perspectivas feministas a partir da mídia alternativa. “Estamos cansadas de simplificar nossa linguagem para cabermos em programas de televisão ou jornais. O problema não está no discurso, está no que interessa ou não para eles que nós falemos ao público. Ou seja, precisamos construir novos espaços”.

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