Da Fase
A carta “A erradicação da pobreza como direito da cidadania” é assinada por 19 entidades da sociedade civil brasileira e aponta alguns dos desafios para a efetivação de políticas públicas relacionadas ao fim da miséria. Hoje mais de 16 milhões de brasileiros e brasileiras são considerados miseráveis, vivendo em lares cuja renda familiar é de até R$ 70 por pessoa.
Para as organizações, a criação e o estímulo à práticas de controle social são a chave para que muitos entraves na aplicação do plano em nível local sejam superadas. Para a área rural, onde estão quase metade do contingente de miseráveis brasileiros, são apontadas entre as medidas fundamentais a ampliação da infraestrutura de serviços e uma ampliação estratégica do programa de reforma agrária, regularização fundiária, demarcação de terras indígenas e quilombolas. Na área urbana, observam que não será possível erradicar a miséria quando as famílias seguem sendo removidas devido às obras de infraestrutura e aos mega-eventos esportivos, com direitos violados e a necessidade de compensações justas ignoradas. Também é apontada a necessidade de medidas para acabar com desigualdades de raça e gênero visto que mulheres, negros e indígenas estão em maior número entre os miseráveis. Leia o documento completo a seguir:
A erradicação da pobreza como direito da cidadania
A erradicação da extrema pobreza deve ser um objetivo prioritário de toda a sociedade brasileira. Não podemos mais transigir com uma realidade em que contingente ainda significativo de pessoas vive privado de seus direitos mais fundamentais. A superação dessa condição é possível e, por isso mesmo, obrigação de estado e sociedade. Manifestamos, nesse sentido, nosso apoio ao compromisso histórico assumido pelo Governo brasileiro de alcançar em um curto espaço de tempo essa meta, que nos colocará em um novo patamar de cidadania.
Temos a convicção que somente o estado e a sociedade organizada, atuando articuladamente, poderão cumprir tarefa de tamanha magnitude. Isto porque o enfrentamento das grandes barreiras que condenam os mais pobres a esta condição apresentam desafios que nem o estado isoladamente, nem a sociedade por sua própria conta, poderão vencer. São papéis diferentes que cabem a cada um. O estado, através da aplicação de políticas públicas efetivas, de naturezas emergenciais e estruturais, que possam criar condições para que essa parte da população, ainda deserdada de seus direitos mais elementares, possa trilhar o caminho da cidadania, passando a ser respeitada e adquirindo seu lugar em nosso país. A sociedade, captando em seu seio as questões mais prementes e determinantes do processo de exclusão, contribuindo na construção e efetivação das políticas e exercendo o controle social na aplicação das mesmas.
Os desafios, certamente, são muitos. Mas decorrido pouco mais de um ano do lançamento do Plano Brasil sem Miséria, queremos destacar alguns pontos que parecem sobressair entre eles.
– Organizações sociais que atuam em diferentes pontos do país, tanto no meio urbano, quanto no rural, apontam um mesmo problema. Trata-se das frequentes dificuldades na aplicação de programas e ações vinculados ao Brasil sem Miséria no plano local, que vão desde o desaparelhamento de municípios para atuarem no campo das políticas sociais, falta de pessoal qualificado para tal, ou mesmo pelo não engajamento de governos locais na proposta do Brasil sem Miséria, incluindo aí práticas clientelistas e desvios das finalidades do Plano. O fortalecimento do controle social, através do investimento do estado em formação política, direitos humanos e cidadania e o apoio do Governo Federal na qualificação dos gestores locais e suprimento dos instrumentos necessários para a aplicação da política são medidas que precisam ser intensificadas.
– A garantia do acesso aos serviços essenciais, por parte da população em extrema pobreza, é fator determinante para o êxito do Plano Brasil sem Miséria. Embora a renda seja o principal parâmetro utilizado na identificação das linhas de pobreza, a incapacidade de poder usufruir daqueles serviços condena os mais pobres a privações e incapacidades que a transferência de renda não consegue responder de forma suficiente. Por outro lado, sem dispor dos serviços essenciais, os mais pobres ficam desabilitados a poderem se integrar em um processo de inclusão produtiva. As mulheres, particularmente, são as vítimas maiores dessa exclusão. Devem-se intensificar os esforços, incluindo-se os orçamentários, para viabilizar o acesso a essa gama de serviços, pela população em extrema pobreza. Por outro lado, deve-se empreender um mapeamento de demanda e oferta dos diversos serviços essenciais para a população nessa condição. Considerando-se que a extrema pobreza rural corresponde a quase 50% dos que se encontram nessa situação, deveria ser construído um programa especial de ampliação da infraestrutura de serviços no meio rural e municípios pequenos através de iniciativa que envolva os vários ministérios afeitos ao tema e a sociedade civil local quando de sua execução e controle.
– O Programa Bolsa Família, enquanto principal mecanismo de transferência de renda para as famílias em condição de pobreza e extrema pobreza, deve ter os valores transferidos corrigidos anualmente, por índice que reflita a variação de preços das principais necessidades de consumo desse grupo social. Esta correção deve ser obrigatoriamente incluída no orçamento federal, sem prejuízo de decisões que o governo federal seja obrigado a tomar durante o ano, de fixação de novos valores transferidos pelo Programa, diante de circunstâncias como elevação significativa dos preços de alimentos e outros bens essenciais. Nesse sentido, devem ser efetuadas as medidas necessárias para essa alteração no Programa, sem colocar em risco os demais aspectos que o caracterizam.
– Considerando a substancial presença rural no universo da população brasileira em condições de extrema pobreza, faz-se necessária uma ampliação estratégica do programa de reforma agrária, regularização fundiária, demarcação de terras indígenas e quilombolas, com aumento substancial das metas de assentamentos. Grande parte dos extremamente pobres são mini fundistas ou trabalhadores(as) rurais sem terra, populações indígenas, remanescentes de quilombos ou outras populações tradicionais. Deve-se observar a inclusão das mulheres ao acesso à terra considerando-as como sujeitos produtivos, conforme previsto na instrução normativa (portaria de outubro de 2003) que assegura a titularidade conjunta que determina o nome do homem e da mulher no documento de posse da terra. A inclusão produtiva de mulheres e homens desta camada da população requer não apenas recursos de investimento ou custeio para a produção agropecuária, pesqueira, extrativista ou florestal, mas também a garantia do acesso a terra, a tecnologia, a mercados e recursos monetários (com destaque para as experiências dos fundos rotativos solidários) e a educação do campo. É imprescindível que a política de ATER e a forma com chega na ponta respeite a diversidade e a realidade dos sujeitos que estarão recebendo essa política. Da mesma maneira, há que se assegurar que a exigência da DAP não se transforme em um empecilho para o acesso dos mais pobres e, em especial, das mulheres do campo aos programas vinculados à erradicação da miséria e que sejam estabelecidos mecanismos efetivos para inclusão dos trabalhadores e trabalhadoras que praticam agricultura urbana. Especial atenção e apoio devem ser dados, ainda, à população do campo atingida por grandes projetos, que contribuem para coloca-la em situação de maior vulnerabilidade.
– Cerca de metade dos extremamente pobres encontram-se no meio urbano, privados de serviços urbanos essenciais, privados do direito à cidade. Essa situação particular de pobreza configura uma realidade específica que deve ser objeto de políticas públicas. São grupos sociais vulneráveis a processos de expulsão das áreas e edificações que ocupam, ou mesmo dos espaços públicos, como ocorre com as populações em situação de rua nos bairros centrais das cidades que sediam grandes eventos. As remoções associadas às obras de infraestrutura e aos mega-eventos esportivos violam direitos e ignoram a necessidade de compensações justas. A erradicação efetiva da extrema pobreza no meio urbano requer a eliminação de tais vulnerabilidades, a garantia dos direitos dessas populações, e políticas de desenvolvimento urbano – tais como habitação, mobilidade, iluminação pública, centros esportivos e de lazer, saneamento, creches e segurança pública – orientadas para este objetivo.
– É necessária a mobilização da sociedade de forma a criar as condições políticas para que o acesso aos programas de garantia de renda, acesso aos serviços públicos e inclusão produtiva de mulheres e homens não sejam apenas um benefício momentâneo, mas senão um direito de todos os cidadãos em situação de pobreza. Os critérios para acesso ao Bolsa Família e ao Brasil sem Miséria devem ser discutidos com a sociedade e revistos sistematicamente. Por um lado, o critério de renda deve ser suficientemente flexível para incluir os segmentos que se encontram em uma zona de vulnerabilidade à pobreza. Por outro lado, há que se considerar a relevância de outros critérios, enquanto complementares aos critérios de renda.
– As mudanças climáticas, com o recrudescimento da frequência e intensidade das secas e enchentes trazem novos contornos às dinâmicas de exclusão social. A redução da vulnerabilidade das famílias urbanas e rurais em pobreza extrema requer programas específicos de adaptação e mitigação.
– O acesso à água deve ser considerado como um direito fundamental. As pessoas em condição de extrema pobreza tem esse direito frequentemente negado. No Semiárido, o sucesso obtido com os programas de construção de cisternas de placas e mais recentemente o P 1+2 deve estimular a expansão desse programa em bases sustentáveis (com as cisternas de placas), entendidos como programas estruturantes de combate à pobreza.
– Cerca de 71% da população em condição de extrema pobreza é negra e uma proporção significativa dos povos indígenas encontra-se em situação de miséria. Portanto, o reconhecimento dessa realidade deve perpassar o desenho das políticas de erradicação da pobreza e informar a integração das mesmas com políticas específicas de combate ao racismo e à violência de gênero e defesa dos direitos de afrodescendentes, dos povos indígenas e das mulheres.
Os nove itens acima representam áreas onde temos a intenção de aprofundar a construção de propostas e iniciar um diálogo continuado com o governo a respeito das mesmas. Consideramos muito importantes as consultas realizadas em 2011 assim como esse diálogo que agora ocorre em 8 de agosto de 2012. Tais eventos demonstram que o governo reconhece a contribuição da sociedade civil, está aberto a ouvi-la e tem compromisso de prestar contas á sociedade sobre o mais importante programa público em curso. Elas são fundamentais para iniciar o diálogo entre sociedade civil e governo, de forma que a sociedade como um todo avance na erradicação da pobreza e da pobreza extrema. A partir desse diálogo inicial queremos evoluir para um patamar mais profundo e continuado de diálogo onde possamos debater e analisar temas como os enunciados acima, e que a sociedade civil possa trazer ao governo sua perspectiva e propostas concretas. Junto com isso, consideramos fundamental a manutenção e ampliação das medidas de transparência sobre a execução do Plano em seus vários níveis, bem como a clara identificação dos recursos disponíveis para os programas e ações que compõem o Plano. A publicização detalhada da execução do Plano é condição essencial para o exercício do controle social.
7 de agosto de 2012
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE)
Action Aid Brasil
ABRANDH – Associação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos
ASPTA – Agricultura Familiar e Agroecologia
Associação Brasileira de Organizações não-Governamentais (ABONG)
Ação Educativa
Articulação do Semiárido (ASA)
Associação em Áreas de Assentamento do Maranhão (ASSEMA)
Casa da Mulher do Nordeste
Centro das Mulheres do Cabo
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG)
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF)
Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN)
Instituto de Estudos Sócio Econômicos (INESC)
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC)
Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais-NE
Pastoral de Favelas do Rio de Janeiro
Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais
Comentários 2
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Webert Machado
15 de agosto de 2012Senhores,
Teço aqui severa crítica à Carta na medida em que ela, em nenhum momento, cita a Educação coimo alicerce fundamental para a erradicação definitiva da pobreza.
Mesmo que se entenda como “acesso aos serviços públicos e à infra-estrutura do Estado” tendo como a Educação como um dos seus componentes, reitero a crítica porque, como costumo dizer: “Povo educado não mora em palafitas, não faz xixi na rua”, sendo ela o elemento fundamental e crucial para o desenvolvimento do cidadão!
Jualanku
23 de setembro de 2012Ole1 Nepomuceno,Muito bom seu artigo e sua linha de ricaocednio. Apenas gostaria de sugerir uma corree7e3o, em: E a escrita 3.0 que vai de 1450 ate9 os 1990, quando chega a Internet. corrigir para: E a escrita 3.0 que vai de 1450 ate9 os 1990, quando chega a Web. A Web nasceu em 1991, a Internet bem antes disso. Tenho visto muita gente trocar as bolas e causar uma confuse3o enorme, pois a maioria das pessoas ne3o sabem as diferene7as entre a Internet (meio fedsico) e a Web (hiperespae7o com hiperdocumentos conectados por hiperlinks, basicamente, protocolo HTTP).Abrae7o,@JeanFerri