Cândido Grzybowski
Sociólogo, do Ibase
Que as grandes corporações econômico-financeiras dominam nossos modos de vida, através da globalização, é patente e quase inconteste. Como no capitalismo tamanho das cifras conta como regra de poder, temos um punhado de corporações globais maiores do que o PIB de mais de 100 países. Como atores globais, essas corporações, através das forças do mercado, atuam no mundo fora de controles estatais propriamente ditos, tomados por elas como meros condicionantes contornáveis para o exercício de seu enorme poder. Na verdade, elas têm capacidade de ditar regras e impor sanções acima de democracias e constituições nacionais. Com toques digitais, fazem transações gigantescas, com capacidade de alterar os tais “humores do mercado” e as próprias moedas. Com o apoio delas, são feitas avaliações por instituições privadas das políticas econômicas dos países, com notas, que viram referência para qualquer governo, muitas vezes contra a própria cidadania.
Muito além de seu poder real na economia-mundo, precisamos analisar, de um ponto de vista sociológico e político, a globalização neoliberal capitalista como uma hegemonia vitoriosa e com poucos contestadores. O neoliberalismo é muito mais do que uma escola de pensamento econômico. Deve ser visto como filosofia ativa, um processo político e cultural, um modo de vida. Trata-se de uma poderosa ideologia que capturou governos e organismos multilaterais, conquistou corações e mentes no seio da sociedade civil e, sobretudo, legitima valores, práticas no cotidiano, padrões de consumo e estilos de vida. E ainda se apresenta como a única via possível.
Não vou entrar no âmbito de como a globalização está ampliando de forma exponencial a desigualdade social e a destruição ambiental inerente ao capitalismo, com todas as guerras, as exclusões, os refugiados e migrantes, os racismos, intolerâncias e ódios. Atenho-me aqui a tentar entender o fracasso das iniciativas cidadãs de contestação de seu domínio econômico e hegemonia sobre o mundo e de busca de novos paradigmas. As resistências e insurgências contra a globalização neoliberal capitalista pipocam em uma impressionante diversidade. Mas ainda não se tornaram poderosos movimentos de cidadania, com capacidade de influir nos destinos do mundo. Tudo ainda passa pelos Estados Nacionais, num quadro em que os desafios estão globalizados, têm dimensão planetária. Como construir cidadania planetária? Por que iniciativas como o processo do Fórum Social Mundial perderam vitalidade? São questões espinhosas, mas estratégicas, que precisamos enfrentar e que vão exigir grande esforço coletivo.
Meu maior objetivo nesta pequena crônica é começar pelas respostas nacionalistas de direita à globalização. Pretendo apimentar a questão, pois vejo o nacionalismo x globalização como um confronto histórico real nos dias de hoje, que aglutina forças políticas, sem dúvidas, mas pode levantar poderosas contradições, tudo isso ainda mantendo o sistema capitalista. O risco maior é o nacionalismo nos levar a formas de barbárie, ao capitalismo mais selvagem, do que a transformações da globalização capitalista, no caminho de construção de sociedades democráticas, emancipatórias, de igualdade no respeito às diversidades, sustentáveis, de bem viver e planetárias.
Não é possível desenvolver aqui uma questão tão espinhosa. Mas lembro alguns elementos que me levam a levantá-la. Na recente viagem de Trump pela Ásia, discursando durante a Conferência de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, no Vietnã, o presidente dos Estados Unidos fez uma radical defesa de seu tosco nacionalismo contra a globalização, vista por ele como algo contra os interesses dos EUA. No mesmo encontro, o chinês Xi Jinping fez enfática defesa da globalização capitalista. Ele, um declarado líder do partido comunista da segunda maior economia capitalista do mundo! Não penso que preciso detalhar o que significam tais posições de quem tem poder e gigantescos arsenais militares para fazer o de sempre: resolver a disputa de hegemonia capitalista pela guerra, como no passado. É uma disputa, diplomática no momento, entre o pior e o ruim, como foi a disputa eleitoral de um ano atrás nos EUA, vencida pelo pior, na minha análise. O fato relevante é que Trump obteve apoio popular com seu discurso nacionalista e xenófobo. No poder, Trump deu força para os mais reacionários e conservadores do capitalismo norte-americano.
Preocupante é ver que Trump está longe de ser uma exceção. Na Europa, ressurgem e se legitimam na disputa política forças declaradamente neofascistas e neonazistas, todas com discurso nacionalista radical, contra migrantes, contra a UE, com racismo e intolerância explícita, tendo apoio popular claro. Basta lembrar o AfD (Alternativa para a Alemanha), o partido da Le Pen na França, as forças políticas vitoriosas na Polônia, República Tcheca, Áustria, Hungria. Na França ganhou Macron que defende a globalização neoliberal capitalista da União Europeia, uma pequena variante com regulação pró mercado, mesmo às custas de democracia, como o caso da Grécia demonstra.
Enfim, o nacionalismo, como ideologia que é, dificulta mais do que ajuda na busca de alternativas. Nacionalismo se funda no discurso do interesse nacional e na defesa da soberania. Que interesse nacional? Soberania de quem? Vale à pena rever Gramsci a respeito. De sua análise se conclui que a disputa transformadora a empreender é a que opõe cosmopolitismo x globalização. Ele considera estratégico o terreno nacional, mas para um confronto que levanta a soberania do povo – “povo-nação” – contra a usurpação dos proprietários capitalistas que escondem seus reais interesses de acumulação atrás de uma ideologia de nação comum*.
Termino reconhecendo que talvez só tenha conseguido apontar um problema sem levar em conta toda a complexidade política que ele traz consigo. De meu ponto de vista, esta é uma tarefa urgente, no aqui e agora, mas que necessita ser pensada de formas mais estratégica, para não seremos novamente vítimas de propostas conciliadoras. Precisamos, sim, formular um projeto nacional-popular que nos permita pensar transições possíveis a uma civilização planetária alternativa à socialmente destrutiva globalização capitalista.
Rio, 14/11/17
*NOTA : ver F.Frossim (Nação), L.Durante (Nacional-Popular) e M. Ausilio (Nacionalismo) in: G.Ligubri e P.Voza (orgs.). Dicionário Gramsciano. São Paulo: Boitempo, 2017