Dr. Antoaneta L. Dimitrova, professora do Instituto de Administração Pública, na Universidade Leiden
texto publicado no site Open Democracy
Enquanto observamos com terrível fascínio a crise soberana da dívida levar instituições políticas gregas à beira da desintegração, a compreensão que lentamente pode despontar nos europeus é a de que essa erupção pode rapidamente se mover das telas das suas TVs para suas ruas e bancos. Até agora, porém, o debate público nos Estados europeus “apoiadores”, como Alemanha e Holanda, não está focado na possibilidade de contágio e colapso, mas em isolar os países “pecadores” e extravagantes do sul. Do lado oposto do espelho de mal-entendidos, alguns discursos gregos aparentam identificar os “estrangeiros” – Alemanha, FMI e União Europeia – como as forças maléficas do neoliberalismo, forçando-os a pagar as dívidas feitas por incitação dos bancos ocidentais, de um programa austero, cujo objetivo é destruir a economia grega. As tensões crescentes criadas pelos desequilíbrios estruturais da União Monetária e Econômica na Europa claramente se deslocaram do domínio de economistas, tecnocratas e políticos para um debate público muito mais amplo. A razão para isso é que o euro e a globalização financeira levaram a uma situação onde é necessária a redistribuição de recursos de uma parte da Europa para a outra.
A crise grega pode ser vista como uma ilustração perfeita do trilema articulado por Dani Rodrik em seu recente livro. Rodrik argumenta que é impossível manter simultaneamente (financeira e comercialmente) globalização, soberania e democracia. Ele alega que a globalização erodiu a habilidade dos governos nacionais em fazer manobras independentes e proteger os grupos socialmente mais afetados pelas desvantagens da globalização. Fritz Scharpf tem utilizado o argumento similar de que os desequilíbrios institucionais da União Europeia e o euro afetaram negativamente as democracias de Estados membros, afetando a legitimidade e erodindo as capacidades governamentais de compensar com políticas sociais para compensar e amortecer os efeitos da liberalização do mercado. O que se segue a partir desse trilema, pelo menos para Rodrik, é que temos que escolher entre autodeterminação nacional, políticas nacionais democráticas e globalização. Para ele, está claro que a globalização é o que podemos ter de menos. Entretanto, apesar da enganosa simplicidade dos discursos isolacionistas, essa escolha não está imediatamente disponível para a Grécia ou para a União Europeia, pelo menos não a curto prazo, já que os custos para sair do euro são proibitivamente altos tanto para a Grécia quanto para os países que adotaram a moeda.
Aceitar sem debate o programa de austeridade, que foi tudo menos imposto pela União Europeia e pelo FMI, sem um processo de escolha democrática não aparenta ser também a melhor opção, apesar do atrativo como uma suposta maneira rápida de prevenir uma catástrofe financeira na Europa. Como diversos analistas já apontaram, as causas da crise grega estão para serem achadas na política e na governança grega tanto quanto nos acordos financeiros globais. Ademais, existem desenvolvimentos positivos que não devem ser ignorados: as circunstâncias extremas parecem ter estimulado os gregos a revigorar a democracia direta e reivindicar o debate nos recentes protestos da praça Syntagma, como maneira de decidir o futuro de seu próprio país. Eles certamente deveriam ser apoiados nisso.
Se aceitarmos que existe um trilema entre democracia, soberania e integração reginal como uma manifestação da globalização financeira, a única escolha que sobra parece paradoxal, mas deve ser avaliada: relaxar ideias de soberania nacional e aceitar a orientação externa para reformar a economia e o Estado. Os gregos ainda não aparentam estar prontos para adotar esta opção, o que é tido para muitos europeus como um sinal de obstinação irracional e divisão. Mas em vez disso, esta pode ser uma reação bem compreensível de um público comunicado de que não existe escolha além de aceitar um pacote inalterável de medidas impostas pelo exterior. É aí que reside a falácia essencial. Políticos e público no norte da Europa estão certos em destacar que a Grécia não tem escolha a não ser pagar as suas dívidas. Mas deveria existir, como em toda democracia, alguma escolha dada ao eleitorado e aos políticos sobre como o pagamento e a recuperação devem ser feitos.
Isso deveria significar pelo menos uma escolha entre programas de reforma diferentes e propostas sobre como restaurar a economia e reformar as estruturas de governança. Como aprendemos o Leste Europeu, existem formas diferentes de defender reformas e reestrtuturar um Estado, existem formatos institucionais diferentes nos quais a privatização pode ser executada. Todas essas são transformações que não podem e não devem ser feitas precipitadamente porque o impacto na governança e na economia poderia se tornar exatamente o oposto do que o esperado. Venda sua propriedade estatal de uma maneira “rápida e suja” e criam-se novas injustiças e, possivelmente, como aconteceu em alguns país pós-comunistas, uma nova classe de oligarcas que visam capturar o Estado e promover corrupção para os seus próprios ganhos. Esse não pode ser o resultado que os outros membros da zona do euro estão esperando.
Pode ser um anátema para a Grécia abrir mão de alguma soberania nacional, como os países do Leste Europeu fizeram ao negociar com a União Europeia e submeterem-se à orientação da Comissão Europeia e às vezes também à do FMI em seus esforços de reforma. Por mais antidemocrática e assimétrica que essa orientação externa tenha sido, processualmente falando, ela teve saldo para a democracia e a governança no leste da Europa. Foi possível executá-la em parte porque o público em muitos países do centro e do leste europeu e certamente nos países com as instituições democráticas mais fracas, como Romênia e Bulgária, confiaram nas instituições da União Europeia mais do que nas nacionais. Políticos, assim, aceitaram os permissivos consensos da União Europeia, como a rota mais curta para a modernização e reforma.
Olhando detalhadamente para as condições de admissão para a União Europeia, algumas delas poderiam ser claramente aplicadas à Grécia a fim de promover melhorias de governança. Por exemplo, a promoção da União Europeia pela implementação de um serviço público independente, com administradores não-politizados ajudou a limitar, se não a eliminar, contratações e demissões políticas. Outros requisitos “técnicos” levantados durante a admissão de países do centro e do leste da Europa levaram ao estabelecimento de instituições úteis, como o registro da terra. Essas reformas mal podem ser identificadas como parte da conspiração global das elites neoliberais visando empurrar o Estado para o esquecimento. A Comissão Europeia, em particular, ajudou a melhorar a governança na Europa oriental, insistindo para os governos fornecerem dados confiáveis em todos os aspectos importantes.
A disponibilidade de dados confiáveis no setor público aparenta ser de especial importância no caso grego. Primeiramente, tais dados são essenciais para o debate interno, especialmente para ajudar a decidir o que precisa mudar nas instituições e políticas gregas. Se, por exemplo, a Grécia tem cinco vezes mais servidores civis trabalhando para o governo central do que a República Tcheca, com uma população ligeiramente maior, reformistas podem querer considerar seriamente a eficiência e o tamanho da administração. Atualmente, a falta de dados confiáveis levou a evidências anedóticas, que estão sendo usadas para justificar a necessidade de reforma. Um importante político holandês sugeriu em debate partidário que as escolas gregas têm uma proporção de nove alunos para um professor, o que, se for verdade, é claramente inaceitável para os holandeses, num contexto de reformas educacionais drásticas e salas de aula com cada vez mais alunos. É difícil verificar e contextualizar tais exemplos anedóticos, que por si só enfatizam a necessidade de melhores dados para tornar o debate sobre reformas gregas mais racional na Europa.
Se a atual crise tem algum ponto positivo na Europa, esse ponto pode ser que ganha forma um debate político europeu que inclui políticos e um público mesmo sendo hoje principalmente raivoso, emocional e sem base factual. Ajudaria se líderes e intelectuais gregos começassem a juntar e fornecer informação mais transparente e apurada para o país e para a Europa, mesmo se isso for de encontro a ideias tradicionais de soberania e orgulho nacional. Sem dados confiáveis para julgar o Estado na Grécia, seria difícil para os seus cidadãos se decidirem sobre qualquer reforma e seria igualmente difícil para os cidadãos de qualquer lugar da Europa formar uma opinião quando os seus políticos pedirem ajuda para apoiar a Grécia.
O objetivo final tem que ser melhorar não apenas a economia grega, mas também as suas instituições e o seu governo, para que o clientelismo de partidos políticos não resulte em um Estado imenso e ineficaz e que o público confie que o Estado recolha recursos para o bem comum em vez de para o benefício de indivíduos. Assim, a chave para resolver a crise na Grécia, não a curto, mas a médio prazo, pode ser começar a melhorar a democracia e a boa governança. Quaisquer esforços que a Grécia fizer para dialogar com a Europa e para trocar insights e ideias com novos e antigos Estados membros na União Europeia pode ao mesmo tempo promover a democracia no continente.