Camila Nobrega
do Canal Ibase
Em 1982, a revista Cadernos de Terceiro Mundo estampava uma capa com um título bem apropriado: “A batalha pela informação”. Nas páginas, um intenso debate sobre a necessidade de um olhar na imprensa a partir do Hemisfério do Sul. Já àquela época o tema da democratização dos meios de comunicação estava em pauta. E, no conversatório promovido pelo Ibase na última quinta-feira (31/10), Beatriz Bissio, cientista política do IFCS, explicou por quê:
– Naquela época, já havia quatro grandes agências direcionando o noticiário de acordo com uma ideologia dos países chamados de primeiro mundo. A proposta dos Cadernos era fazer um contraponto a isso. Já nos anos 1980, tínhamos correspondentes na África, o que já era algo diferente da maioria dos grandes veículos.
Mas a luta pela democratização é uma das mais difíceis. Extremamente bem feito, lido por pessoas que queriam informações relevantes não só sobre os países afinados pela acumulação de capital, os Cadernos, como relatou Beatriz, chegaram ao fim em 2005, em pleno governo Lula. Pouco antes do encerramento da publicação, Beatriz tentou salvar a revista indo ao Ministério das Comunicações. Foi recebida por um funcionário de terceiro escalão e, mesmo assim, contou a bela história dos Cadernos. Em vão. Um dos argumentos do tal funcionário é que a prioridade era a de revistas de grande tiragem como a Veja.
– Um único anúncio do governo ou de uma empresa estatal teria salvado os Cadernos.
Concentração de verbas públicas prejudica a democracia
Mas o critério do governo Lula acompanhou uma tradição do país desde a ditadura militar: a de concentrar as verbas de publicidade para as grandes empresas de comunicação do país, que, por sua vez, estão nas mãos de poucas famílias, de acordo com dados do Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC).
– Queiram ou não as corporações e os setores mais conservadores da sociedade brasileira, a democratização da comunicação se tornou um componente da cesta básica da cidadania, tão importante quanto o direito à terra e ao trabalho, porque, justamente, ajuda a garanti-los – afirmou Orlando Guilhon, representante do FNDC no Rio de Janeiro.
A jornalista Vivian Viríssimo, editora do jornal Brasil de Fato no Rio, diz que a concentração de verbas publicitárias é sentida pelos demais veículos Brasil afora.
– Temos muitas dificuldades para sobreviver e levamos ao leitor informações sob uma perspectiva do trabalhador. Já tem gente que chama o Brasil de Fato de meu jornal. Mas não queremos ser os únicos; precisamos de três, cinco, dez jornais para quebrar de uma vez com esse perverso monopólio.
Em função do alcance, o mesmo acontece com a concentração dos leitores. Há, contudo, aqueles que apostam em novas publicações e mídias, exercendo um papel fundamental para a manutenção e crescimento de novos olhares. O assunto é caro para a jornalista Gizele Martins, do jornal comunitário O Cidadão, que é produzido e circula no Complexo da Maré, simbolizando uma grande resistência local.
– Eu não consigo me ver representada nos grandes veículos de comunicação. Para eles, a Maré é só violência de todo jeito. A nossa relação com os leitores do cidadão é outra, não só passiva. Perdi a conta de quantas vezes fiquei um dia inteiro lendo jornais para famílias mareenses que não saibam ler, e o debate sobre as notícias é sempre intenso.
Os grandes jornais evitam falar sobre os territórios de baixa renda, e põem em práticaprática uma segregação ao restringir o acesso à informação, um direito humano. A falta de diversidade tem uma consequência direta na qualidade dos veículos. Nesse jogo, todo mundo sai perdendo.