Por Cândido Grzybowski
sociólogo, diretor do Ibase
Estamos vivendo uns anos que podem virar um marco para a história. Mas a possibilidade de ser um momento de ruptura e começo de novo processo é muito tênue. A crise em que a humanidade está mergulhada, com suas múltiplas facetas, tem claros traços destrutivos, com poucos sinais de algo novo. Estamos diante de um capitalismo levado ao extremo que nada tem a oferecer, a não ser a sua própria crise. Que o digam os donos do mundo reunidos mais uma vez em Davos, no Fórum Econômico Mundial. Muita lamentação sobre perdas financeiras, grandes como suas gigantes empresas, e pouco a comemorar. Trata-se de seleto grupo – os tais 1%, como nos lembra o movimento do “Ocupemos Wall Street” – reunidos em um hotel de luxo, nas montanhas nevadas da Suiça, longe das aflições que eles mesmos provocaram para bilhões de seres humanos. Um consolo entre pares, regado a champagne.
Será que isto é inevitável? Não depende de nós, nascente cidadania planetária, dar um outro curso e sentido a esta crise? O que podemos fazer para transformar a crise atual em momento de mudança de direção e início de transformação do esgotado modelo de economia e poder a serviço do capitalismo sem limites? É por nos fazermos questões assim que representantes de movimentos, organizações, redes, fóruns, alianças e coalizões mundo afora nos reunimos mais uma fez e reafirmamos que outro mundo é possível. De 24 a 29 de janeiro, em Porto Alegre, estaremos reunidos no Fórum Social Temático “Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental”.
Estamos, na verdade, diante de enormes desafios. Está na agenda política mundial a Rio+20, a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Vai acontecer em junho, no Rio de Janeiro. Até aqui, a Rio+20 aparece como um fracasso anunciado, dado o precedente de todas as negociações internacionais de governantes sobre desenvolvimento, meio ambiente e clima, sem compromissos de mudança, todas terminadas em vagas promessas. A crise na Europa, EUA e Japão, eleições em importantes países desenvolvidos, a recusa de assumir compromissos das potências emergentes, especialmente China, Índia e Rússia, são todos dados de conjuntura que tornam difícil uma negociação governamental. Vejo o governo brasileiro – indiscutivelmente o único com alguma possibilidade de fazer avançar uma agenda positiva de mudanças – totalmente mergulhado em contradições com suas opções desenvolvimentistas que tornam difícil evitar um fracasso no lado “oficial” da Conferência. Resta a sociedade civil para fazer a diferença, ao menos para tornar este momento e este ano um marco. Saberemos fazer a nossa parte?
O Fórum Social Temático de Porto Alegre deve ser avaliado por aí, não como uma mudança, mas como fomentador de propostas e forjador de sujeitos coletivos seus portadores, com capacidade de fazer o mundo oficial balançar. Aliás, esta é a função da cidadania ativa quando as estruturas não funcionam: usar seu poder instituinte e constituinte de uma nova ordem. Claro que para tanto somos uma pequeníssima fração apenas. Seremos capazes de contribuir para a insatisfação geral no mundo com o sistema capitalista, seus donos e seus gestores, aí incluídos os políticos e as instituições públicas, virar uma poderosa e avassaladora onda que exige mudanças?
Quem conhece o Fórum Social Mundial sabe que ele não passa de um pequeno espaço do encontro da diversidade social, cultural e política que existe nas sociedades de hoje. E, no entanto, espaço fundamental para gestar novas ideias, novos sonhos, novas identidades, articulando e cimentando alianças que podem funcionar como fermento transformador. No FSM, a gente se conhece e reconhece, discute e discute mais um pouco, refinando pensamentos, como costumam ser os espaços de cidadania, donde nascem grandes movimentos transformadores. Não é fácil viver e conviver com o “barulho” da cidadania (para as elites dominantes ele é insuportável), o enorme ruído de divergências apaixonadas que, apesar de tudo, buscam convergências. Nada a ver com os encontros oficiais de governantes, como nas Conferências da Nações Unidas, ou com os encontros cheios de etiquetas dos donos do mundo em Davos. Somos a diversidade e a confusão próprias de sociedades em movimento.
Pois bem, a usina de ideias (contraponto à Usina do Gasômetro, referência do FSM em Porto Alegre) não é uma fábrica de montagem de propostas, como muitos gostariam. É encontro de compartilhamento de ideias, valores, visões com quem a gente tem poucas possibilidades de se encontrar, porque vivemos em diferentes lugares deste comum Planeta, mas nos sentimos membros de uma mesma comunidade humana, titulares de uma cidadania que nos torna planetários. Não vamos chegar a propostas refinadas, mas certamente faremos melhor que os refinados documentos com intenções vazias das declarações oficiais. Estaremos em Porto Alegre para contribuir no sentido de impactar na Rio+20, em junho. Vamos pensar o impossível para ver como torná-lo possível.
Se lograrmos sensibilizar as milhares de redes e coalizões mundo afora para a importância de trazermos o jogo para nosso campo na Rio+20, exigindo dos governantes compromissos de mudança, estaremos plantando o marco para uma nova história. O FST de agora tem este desafio e é estratégico por isto.
Comentário 1
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jacksno mesquita
11 de maio de 2012á cidadania no brasi8l