Cuidar da vida e do planeta com suas fantásticas diversidades
Cândido Grzybowski
Sociólogo, presidente do Conselho de Governança do Ibase
Nesse esforço de esboçar diretrizes éticas do cuidado e de princípios correlatos, como bases de um novo paradigma civilizatório, fica uma grande questão: como mudar? Mostro aqui algumas pistas que o próprio ponto central da reflexão – o cuidado – anuncia. O segredo do caminho da transição é descobrir e fortalecer as múltiplas e diversas alternativas que já existem praticando o cuidado, o compartilhamento, a convivência, a precaução, enfim, o respeito à integridade do planeta e à dignidade da vida. A mudança sistêmica do homogeneizador e destruidor capitalismo não é um modelo único. Precisamos de princípios éticos comuns como direção, pois a diversidade da vida e do planeta o exigem. De uma perspectiva de cuidado, trata-se de construir uma civilização planetária assentada numa vibrante diversidade. Reconhecer que não existe uma única, mas muitas alternativas é, em si mesmo, uma mudança de paradigma.
As alternativas sistêmicas são um patrimônio cultural e político presente no seio dos diferentes povos do Planeta Terra, mas existem de forma ainda subordinada, dominada, colonizada. É nestas alternativas que precisamos nos inspirar para transformar o modo de produzir e viver no mundo globalizado pelas grandes corporações econômicas e financeiras, baseadas na lógica das forças de mercado com vistas a maior acumulação privada de riquezas, do domínio da natureza e do extrativismo, do patriarcalismo e racismo. Para nos “descolonizar” e nos emancipar do produtivismo e consumismo destruidores, com o seu domínio mercantilizador de tudo, precisamos valorizar as diferentes resistências e insurgências existentes, com o que carregam em si como alternativas civilizatórias.
A diversidade é o que caracteriza a vida humana e os povos, seus modos de se organizar e interagir com a natureza para viver, suas culturas, filosofias, religiões. Diversidade é algo essencial na natureza, em todas as formas de vida, na biosfera, no nosso Planeta com suas florestas e desertos, montanhas e planícies, rios e mares, dias de chuva e de sol, zonas polares e tropicais. Porém, no mundo dominado pela civilização industrial, produtivista e consumista, do luxo e lixo, com bilionários e miseráveis, a diversidade está sendo dominada e destruída pela mercantilização. Toda diversidade cultural e natural existente no mundo está ameaçada de destruição. Alternativas sistêmicas a tal civilização são as que, com ética do cuidado, resgatam e recolocam no centro do pensar e viver a força da diversidade. Esta é uma tarefa necessária e urgente na busca de caminhos de transição sistêmica.
É e será um árduo caminho, de muita cooperação. Precisamos começar por descolonizar nossos modos de observar, analisar, pensar, valorizar, filosofar, herdados do eurocentrismo hegemônico na ciência, na cultura e até nos estilos de vida que levamos. Nunca o olhar para o outro lado, para o dominado e o esquecido, foi tão importante como neste momento de grandes ameaças, como a mudança climática, o fascismo, a xenofobia, a barbárie. A tarefa coletiva estratégica que temos é resgatar o comum na diversidade de povos, culturas e do planeta, trabalhando em rede, produzindo conhecimento de forma compartilhada, tudo a partir de onde estamos e vivemos e reconhecendo nas outras e outros a sua fundamental contribuição. A base comum pode ser construída a partir das intenções e dos objetivos que movem resistências e buscas, extraindo daí a força da unidade planetária na diversidade. Tal atitude de humildade e respeito, de horizontalidade e valorização dos e das diferentes, de busca compartida, já é em si uma transformação intelectual e política. Isto é praticar o cuidado. Estaremos assumindo uma posição estratégica e revolucionária no modo de pensar e nas nossas práticas, no ativismo cidadão, negando todo protagonismo a priori ou as insustentáveis soluções únicas. A troca e a articulação passam a serem formas de pensar, de analisar e nos fortalecer mutuamente.
Precisamos definir nossas condições de partida para novas narrativas. A diversidade, em termos humanos, só pode ser valorizada e articulada se a qualificarmos a partir de um princípio ético fundante de que todas e todos somos iguais em nossa diversidade. Esta é uma incontornável questão, pois não existem povos e culturas uns melhores que outros. Temos iguais direitos de compartir o bem comum maior – o planeta e a vida – tendo sonhos, cosmovisões, religiões, modos de viver e culturas muito diversos. Uma segunda condição indispensável é reconhecer que o mundo se move por força ecossocial, nem só pelos sistemas ecológicos, como nem só pela ação humana, sua ciência e tecnologia. É na combinação orgânica, na interdependência e no cuidado da interação entre sistemas ecológicos que movem a natureza e a capacidade criada pela humanidade que residem as alternativas sistêmicas.
Com tais parâmetros mínimos de partida, podemos começar mapeando as diversas alternativas visíveis e seguir buscando as muitas outras invisíveis ou invisibilizadas pela dominação e colonização de nossos olhares, mentes e corações com o ideal do desenvolvimento sem alternativas que nos é proposto e imposto hoje. A potência da transformação reside aí, está viva nos movimentos e organizações sociais que se engajam na construção de alternativas nos seus próprios territórios de vida. A convivência e o diálogo entre alternativas, entre cosmovisões e culturas, com cuidado e compartilhamento, é indispensável como caminho de mudança para um mundo e um Planeta plural e diverso em sua unidade maravilhosa.
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Com essa quinta crônica concluo minha série sobre os caminhos e descaminhos da transição para novos paradigmas de vida sustentável. Não tive intenção de apontar soluções, mas pistas que podem dar direções ao caminho que deverá ser feito caminhando, juntos, umas e uns se ajudando e se cuidando, do local ao mundial. Mas nada está ganho de antemão, pois as resistências de forças que sustentam e dominam no capitalismo globalizado de hoje não temem em impor a barbárie e a destruição planetária no afã de manter o seu poder e privilégios.