Tradução de Athayde Motta
Em seu blog, From Poverty to Power (Da pobreza ao poder), Duncan Green, assessor estratégico de Oxfam GB, publicou uma entrevista com Robert Wiggers, da fundação holandesa Wilde Ganzen sobre um programa de capacitação em captação de recursos realizado com organizações não-governamentais de quatro países. O Brasil foi um dos países incluídos no projeto. Agradecemos à Duncan Green pela permissão em publicar essa tradução.
Já lamentei no meu blog sobre a falta de interesse da cooperação internacional em apoiar a capacidade de captação doméstica de organizações locais e sugeri que precisávamos de uma organização do tipo “Captadores sem fronteiras”. Pelo visto algo assim já está sendo feito. Um texto em uma edição recente da revista Development in Practice, escrito por Robert Wiggers, da Fundação Wilde Ganzen (WGF), da Holanda, descreve o programa Action for Children (AfC), em quatro países (África do Sul, Brasil, Índia e Quênia).
Em primeiro lugar, a lógica: “Captação de recursos locais contribui para a sustentabilidade financeira de uma organização e distribui os riscos financeiros. Com diferentes fontes de rendimentos, uma organização pode enfrentar melhor aqueles casos de doadores que param de contribuir ou outros tipos de problemas. Além disso, a captação local oferece maiores garantias de que as prioridades locais prevaleçam, ao invés daquelas estabelecidas pelo doador. Pesquisas têm demonstrado que frequentemente as prioridades do doador ditam onde os recursos serão gastos e, assim, quais problemas têm mais chances de serem resolvidos e quais não têm. A captação local também contribui para que as organizações tenham melhor penetração nas comunidades locais; aumenta a necessidade de maior envolvimento de todos e todas, não apenas como beneficiários, mas como cidadãos e cidadãs ativos, atuando como captadores, doadores em potencial ou voluntários. E confere legitimidade: quanto maior for a base de sustentação de uma organização, mais forte é seu direito de comunicar os interesses e preocupações das comunidades onde trabalha”.
Veja como o programa AfC funciona:
Primeiro o AfC identificou parceiros locais nos quatro países para que liderassem o programa, com apoio do governo holandês e recursos próprios. “Um ponto central da estratégia era a suposição de que, ao longo do programa, os recursos do governo holandês e a contribuição da WGF iriam diminuir enquanto a contribuição da organização parceira no país iria aumentar. Assim, o financiamento estrangeiro seria gradualmente substituído pelo financiamento doméstico”.
Os parceiros nos países foram o Instituto Soul City (África do Sul), a Cese (Brasil), a Fundação Smile (Índia) e a Fundação Kenya Community Development (Quênia). O AfC trabalhou com esses parceiros para que esses fizessem o mesmo com grupos locais: utilizar o dinheiro para financiar projetos e oferecer apoio técnico para ajudá-los a construir sua habilidade de captar fundos locais e a diminuir a relação com agências de apoio.
O texto publicado na revista apresenta os resultados para o período 2011-2015 e destaca que “organizações parceiras nacionais aprovaram um total de 903 projetos locais de organizações de base e ONGs que foram bem-sucedidas na captação de recursos em nível local. Apenas algumas poucas organizações, após receberem treinamento e mentoria, não conseguiram captar sua parcela dos fundos necessários. De maneira geral, organizações de base e pequenas ONGs, após o treinamento em formas de captação local dado pelas organizações parceiras, foram capazes de captar metade dos fundos de que necessitavam para seus projetos.”
Tanto as organizações parceiras quanto as organizações de base melhoraram sua captação, mas as organizações parceiras tiveram que trabalhar mais: “é mais difícil captar recursos para esse tipo de intervenção à medida que potenciais doadores—sejam pessoas de classe média ou empresas, em qualquer lugar do mundo—preferem doar para projetos e programas concretos. Ganhar sua confiança e convencê-los a doar também para cobrir os custos que existem em qualquer atividade nessa área, e especialmente para um modelo que envolve muitas atividades de capacitação, é algo que toma tempo”.
Se existe uma lição útil para “Captadores sem fronteiras” é que é um processo lento: “No começo do programa, em 2006, estimou-se que seriam necessários de 10 a 12 anos para que este se tornasse totalmente independente do financiamento internacional. No começo da segunda fase, em 2010, essa estimativa foi ajustada para 12 a 15 anos”. Isso é bastante difícil quando se pensa que esse universo funciona com base em projetos com ciclos de financiamento de três anos.
Também podem existir resistências internas: A equipe do parceiro brasileiro sentiu que estava se afastando do seu foco anterior, o trabalho com a defesa de direitos, e sendo dirigida para o “negócio arriscado” da captação de recursos. Acho que estavam acostumados com uma atividade resguardada, onde os doadores do Hemisfério Norte captavam os recursos, enquanto eles se dedicavam ao trabalho mais interessante.
Ao contrário do que acontece em países do Norte, muitas das habilidades necessárias para captar recursos são difíceis de encontrar nos países em desenvolvimento: financiamento de projetos e tudo que isso envolve (atrair propostas, selecionar projetos, realizar monitoramento e avaliação, fortalecer a capacidade de organizações de base locais e pequenas ONGs, conduzir atividades de advocacy, comunicação e relações públicas, incluindo relações com a mídia, e captação de recursos localmente, com diferentes tipos de doadores (empresas, indivíduos de classe média, governos locais). Para preencher as lacunas, o AfC investiu em intercâmbios entre os parceiros nacionais e financiou atividades de capacitação e contratações de pessoal e consultores, mas ainda assim levou um tempo longo.
Sobre a origem dos recursos domésticos, Robert Wiggers me disse que foram todas “fontes locais, realmente locais”. Tanto os recursos obtidos junto aos parceiros nacionais quanto às organizações de base, foram “arrecadados em eventos em suas próprias comunidades e contribuições de empresas locais. Nada de governos ou dos escritórios das agências de cooperação no país”.
No entanto, um ator importante não contribuiu como esperado—a classe média emergente.
“A maior dificuldade, de acordo com as três avaliações feitas, está em mobilizar recursos das classes médias de cada país. Em sociedades onde a maioria do financiamento para diminuir a pobreza costumava vir do exterior, a necessidade de doar era pouco percebida. Existem barreiras políticas e culturais a superar e compreendê-las melhor pode depender de mais pesquisas acadêmicas. Existem também obstáculos práticos a transpor tais como a ausência de leis e regulações que ajudem a criar um ambiente que estimule a doação, como a isenção de impostos, por exemplo. Convidar indivíduos de classe média para doar, ou doar mais de maneira bem-sucedida, talvez demande mais treinamento em diferentes técnicas de captação de recursos que existam no mundo e que estão além do que o AfC foi capaz de disponibilizar.”
Leia a versão original da postagem de Duncan Green clicando aqui.
O texto de Robert Wiggers tem o título de Action for Children: a model for stimulating local fundraising in low- and middle-income countries (Ação para Crianças: um modelo para estimular a captação de recursos local em países de renda baixa e renda média). Para acessar o texto (apenas em inglês), clique aqui.