Rita Corrêa Brandão
Diretora do Ibase
Foi promulgada no Senado Federal a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 186/2019 que aprova a prorrogação do Programa de Auxílio Emergencial para 2021, algo fundamental para a garantia de uma vida minimamente digna daqueles que mais perdem com a pandemia. A notícia, no entanto, tem seus poréns: a PEC, aprovada no Congresso, limita o total dos gastos a R$ 44 bilhões, incluindo medidas de controle dos gastos públicos. Este montante representa menos de 15% do valor total destinado ao programa em 2020, sendo também 30% menor do que custou o auxílio residual de R$ 300 concedido nos meses de setembro e dezembro do ano passado. Seguindo essa conta, o Governo Federal estima um valor médio de R$ 250 mensais para o benefício, podendo variar de acordo com o perfil da família, por um prazo de quatro meses.
Precisamos ter a clareza de que este valor não cobre o conjunto de alimentos básicos necessários a uma pessoa adulta por mês. Valor que, no Rio de Janeiro, por exemplo, já passa de R$ 600, segundo a Pesquisa Nacional da Cesta Básica (PNCB) realizada pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) no início de 2021. Estamos falando, portanto, de uma nova edição do auxílio emergencial que não cobre as necessidades básicas de um adulto, muito menos de uma família.
Se olharmos para o preço de outros produtos essenciais, essa conta se torna ainda mais perversa: após o segundo reajuste de 2021, o gás de cozinha custa para o consumidor em torno de R$100,00, valor que, sozinho, já consome 40% do auxílio emergencial proposto.
Em 2020, no início da pandemia no Brasil, apesar do Governo Federal ter anunciado um auxílio no valor médio de R$ 191 por apenas quatro meses para pessoas em vulnerabilidade, o Congresso Nacional, após intensa mobilização dos setores da sociedade civil, aprovou o “auxílio emergencial” no valor de R$ 600 por trabalhador. Nas casas com dois ou mais trabalhadores e com mães chefes de família o valor poderia chegar até R$ 1.200. O direito foi assegurado à ampla parcela de trabalhadores(as) incluindo autônomos, informais, MEIs e desempregados com renda mensal de até três salários mínimos ou com renda per capita de até ½ salário mínimo.
Após a aprovação no Congresso, os pagamentos foram feitos em duas rodadas: na primeira, de abril a agosto, as parcelas eram de R$ 600; na segunda, chamada de “auxílio residual”, de setembro a dezembro, as parcelas eram de R$ 300, com um público-alvo menor. O Auxílio Emergencial beneficiou a cerca de 68 milhões de pessoas.
Em pesquisa realizada pelo Datafolha em agosto de 2020, 44% das pessoas afirmaram que o auxílio emergencial havia se tornado a única fonte de renda no momento. Para 53% que haviam recebido o auxílio, o principal destino do recurso era a compra de alimentos. Outros 25% disseram usar o dinheiro para pagar contas. Entre aqueles que têm a renda mais baixa, sobe para 61% o percentual daqueles que utilizaram o auxílio para compra de alimentos. Entre os desempregados esse índice é de 62%.
Mesmo considerando que o auxílio deveria alcançar uma parcela maior da população, hoje não conseguimos imaginar qual seria o tamanho da devastação provocada pela Covid-19 na vida da das pessoas sem essa medida de expansão dos gastos públicos. O auxílio emergencial foi responsável por atenuar os efeitos da crise sobre o consumo, fundamental para a sobrevivência de diversas famílias brasileiras.
Em dezembro de 2020, mês de término do pagamento do auxílio residual, cientistas já previam o recrudescimento da pandemia com aumento do número de contágio e de mortes após as festas de final de ano. Hoje estamos diante do agravamento da crise sanitária com os maiores índices de mortes e contágio de toda a pandemia no Brasil. Os Estados vivenciam o colapso dos sistemas de saúde, com ocupação máxima dos leitos hospitalares. Diversos municípios do país estão promovendo medidas mais severas de isolamento social, de restrição ao funcionamento de atividades de serviço e comércio, alguns decretando lockdown. Estamos em uma situação sanitária pior do que a vivemos em abril de 2020, na primeira fase da pandemia, quando o congresso aprovou o auxílio emergencial de R$600,00.
Soma-se a isso a maior taxa média anual de desemprego no Brasil (13,5%, de acordo com dados da Pnad contínua de fevereiro de 2021), e chegamos a outro dado alarmante e fundamental na análise do atual auxílio emergencial proposto pelo Governo: segundo dados da pesquisa da FGV Social, quase 27 milhões de pessoas estão na condição de pobreza extrema neste começo do ano de 2021.
Todo esse cenário, de desemprego, do aumento da fome e da miséria, somado ao ritmo lento da vacinação no país nos mostra que, ao contrário do que defende o Governo, nossa prioridade não pode ser fiscal. A velocidade da disseminação do coronavírus não nos permite ficar passíveis diante da perda de tantas vidas e da eminência de um aumento ainda maior de mortes em meio ao colapso sanitário, social e econômico vivenciado por todos e todas nós.
Para o Ibase, o Estado tem responsabilidade para com cidadãs e cidadãos e precisa cumprir seu papel regulador e promotor de bem-estar social. Precisamos da retomada do auxílio emergencial que de fato atenda às necessidades básicas de sobrevivência da população mais vulnerável da sociedade brasileira. Precisamos de uma ética política que esteja voltada para a defesa da vida, por isso fazemos coro com as ações da sociedade civil na luta pela prorrogação do Auxílio Emergencial mantendo o valor de R$ 600,00 mensais até o fim da pandemia, assim como a exigência que não sejam feitos cortes nas áreas sociais. Associamos a esta luta a exigência que o Governo Federal se responsabilize pelas medidas necessárias para achatar a curva de expansão do vírus da Covid-19, dentre elas a urgente universalização da vacina para combater o coronavírus.
O Brasil, país que já foi referência no combate a doenças, hoje padece diante de um Governo ineficaz e insensível à dor de tantas famílias. O Brasil, país de Betinho, tem fome e tem pressa de se manter vivo.