Por Manuel Castells | Tradução: Daniela Frabasile
texto originalmente publicado no Outras Palavras
O movimento de indignados, que surgiu em 2011 na Espanha, Europa e Estados Unidos, é uma lufada de ar fresco em um mundo que cheira a podre. Expuseram nas redes sociais e em acampamentos o que muitos pensam: que os bancos e os governos criaram a crise; que as pessoas sofrem com ela; que os políticos apenas representam a si mesmos; que os meios de comunicação estão condicionados; que não existem vias para que o protesto social se traduza em verdadeiras mudanças, porque na política tudo está amarrado – e bem amarrado, para que as mesmas pessoas de sempre continuem cobrando e as mesmas pagando.
Por isso, durante meses, dezenas de milhares de pessoas participaram de assembleias e manifestações e por isso a maioria dos cidadãos (até 73%, na Espanha) compartilha de suas críticas. E tudo isso de forma pacífica, exceto a violência resultante de ações policiais excessivas, que levaram os responsáveis a julgamento. O movimento teve a maturidade de levantar os acampamentos quando sentiu que as ocupações já não repercutiam e que só os ativistas participavam das assembleias diárias.
Mas o movimento não desapareceu. Apenas se difundiu pelo tecido social, com assembleias de bairro, ações de defesa contra injustiças – como a oposição a despejos de famílias – e extensão de práticas econômicas alternativas: cooperativas de consumo, banco ético, redes de intercâmbio e outras tantas formas de viver de maneira diferente para viver com sentido.
Ainda assim, os indignados, que em algum momento chegaram a assustar as elites pela possibilidade de contágio, sofreram perseguição midiática, policial e política. Isso criou a impressão de que o movimento se limitou a alguns jovens idealistas ou alguns poucos exaltados. Basta isolar os grupos e deixar que se cansem. Os partidos de ultra-esquerda tentaram pescar em águas turbulentas, para realimentar suas hostes minguadas, mas viram que os novos rebeldes já têm claro que por esse caminho não conseguirão as mudanças pelas quais lutam. Apesar da hostilidade dos poderosos, o movimento continuou, manteve sua deliberação em assembleias, comissões pela internet, e segue contando com participação popular quando surgem iniciativas concretas, e aparece à superfície o trabalho cotidiano daqueles que não aceitam que tudo continue igual.
A determinação de criar novas formas de ação transformadora sem liderança formal e sem organizações burocráticas traz dificuldades consideráveis. Por um lado, não valia a pena chegar até aqui para voltar a reproduzir um modelo de ativismo que já fracassou repetidamente. Por outro, o essencial é estabelecer um vínculo entre a deliberação e ação, além de conectar-se com os 99% que o movimento quer representar. Buscando novas vias, o 15-M está abrindo um debate profundo sobre como continuar agindo e inovando no que diz respeito a organização e elaboração estratégica. Em 19 de dezembro, depois de uma discussão em assembleia, a Comissão de Extensão Internacional da Porta do Sol de Madri decidiu suspender sua atividade e se declarar em reflexão ativa indefinida.
“O espaço público que havíamos redescoberto voltou a ser substituído por uma soma de espaços privados… O êxito do movimento depende de que sejamos de novo os 99%. Ainda que não tenhamos a resposta do que deve vir depois, que forma pode assumir o reinício de que necessitamos, entendemos que o primeiro passo para escapar de uma dinâmica equivocada é romper com ela: parar, deter-se e tomar perspectiva”, foi a argumentação.
Mesmo que esta atitude não reflita necessariamente o sentimento de outras assembleias e comissões do 15-M, é significativa. Evidencia a capacidade de autocrítica e autorreflexão que caracteriza esse movimento. Somente assim pode se constituir um novo processo de mudança que não desnaturalize seus objetivos de democracia real nas formas de sua existência. Porque onde se chega depende de como se faz para chegar, qualquer que sejam as intenções. Se a questão é como se conectar com os 99%, como se opera essa conexão?
O essencial em qualquer movimento social é a transformação mental das pessoas. Poder imaginar outras formas de vida. Romper a subordinação e a manipulação midiática. Sentir que muitos pensam como um mesmo. Esquecer o medo de afirmar seus direitos e opiniões. Nesse sentido, existem múltiplas indicações de que as pessoas estão mudando, de que o 15-M fez visível a indignação e alimentou a esperança, e que ainda que haja menos participação nas assembleias de ativistas, muitas pessoas estão buscando, de múltiplas maneiras, ocupar espaço no cotidiano e estabelecer vínculos com experiências similares.
Têm claro que a mudança não passa por eleições como as últimas, na Espanha. O triunfo da direita reunida no PP, ampliado por uma lei eleitoral não representativa do voto, foi muito menos relevante (400 mil votos a mais que em 2008), que a queda do Partido Socialista. Ela expressa o esgotamento dos que supostamente representariam os “de baixo”. Também deixa claro que a crise vai piorar, sem que ninguém saiba como lidar com ela.
Diante deste impasse, as pessoas buscam suas próprias soluções. Contando com redes de solidariedade cada vez mais numerosas. E apoiando as ações reivindicativas onde surgem. Essa transformação mental e essas múltiplas mudanças cotidianas podem ser ativadas em níveis mais amplos, em formas a ser descobertas, conforme se for quebrando a normalidade. Não se trata do velho mito comunista do súbito colapso do capitalismo, mas simplesmente de saber que a economia europeia afunda na recessão, que a cobertura social se dilui, que a política tradicional patina e que os cidadãos continuam indignados e são cada vez mais conscientes.
No 15-M existe essa consciência. Como a água, ela irá encontrando suas próprias vias até que se torne torrente – quando a situação se fizer crítica. Ainda bem: porque a alternativa a esse protesto pacífico e construtivo é uma explosão violenta e destrutiva.