Por Mariana Simões
texto originalmente publicado na Pública
Orlando Jones, um pedreiro de 52 anos do Bronx, agora tem o seu  próprio cantinho na Liberty Square, em Wall Street. Ele montou uma  cadeira dessas de praia perto dos degraus de pedra que levam à entrada  do parque, e conversa com quem estiver a fim de sentar e prosear um  pouco. Para ele, as pessoas estão se juntando em Wall Street para trocar  ideias.
“Há uma necessidade de comunicação hoje em dia. Quando eu venho para  cá, não vejo as pessoas falando freneticamente nos seus celulares. Agora  elas estão conversando”.
Orlando conta que foi levado a montar sua cadeirinha de praia em Wall  Street porque já não via outra solução. “Eu nunca estudei. Aprendi a  ler aos 21 anos de idade, e sempre trabalhei. Mas agora, você tem ideia  de quanto está difícil achar um emprego? Eu sempre dei um jeito de  ganhar a vida. Mas não agora”.
Milhares de norte-americanos têm histórias semelhantes. Mas aqui no  movimento Occupy Wall Street, nem todo mundo está na mesma situação.
John Lowe é um arquiteto bem sucedido de 48 anos, nascido em Nova York, que tem um bom emprego.
“A cada dia que estou aqui estou perdendo uma diária de trabalho. É  claro que é uma escolha difícil. Tenho a sensação que o aluguel vai  atrasar este mês…”, ele diz, com um sorriso brincalhão.
John está sentado ao lado de Orlando próximo aos degraus de pedra. Há  uma semana, John e Orlando eram completos estranhos, mas a busca por  encontrar uma solução para a crise financeira os uniu. Eles vêm de  mundos diferentes, mas hoje em dia compartilham um profundo desgosto com  o jeito que as coisas estão.
Orlando acredita que “Wall Street foi construído de modo que alguns  poucos lucrassem. Vamos ter que quebrar esse muro. É como o muro de  Berlim, sabe? Vamos derrubar e começar tudo de novo”.
Nesse momento John diz a seu novo amigo que não concorda com a raiva a  Wall Street. “Ah não, precisamos de instituições que levantem dinheiro.  O que eu não concordo é que essas instituições agora estejam dando  dinheiro só para uns poucos”.
São essas contradições de pontos de vista e diferenças políticas que  são a essência do movimento Occupy Wall Street, segundo Ryan Venier, de  22 anos. “Isso aqui é menos um movimento que um agrupamento para  reflexão”.
Ryan critica, como muitos aqui reunidos, a inabilidade da mídia em  retratar o Occupy Wall Street como um encontro pela comunicação. Ele  explica que manifestantes de todo o mundo se reúnem aqui não para fazer  demandas políticas específicas, mas para chamar à atenção da mídia que  “já basta”: “A mídia nos retrata como hippies loucos, mas tem gente de  todo tipo aqui”.
É verdade. No meio da multidão está por exemplo o corretor de ações  aposentado Robert Halper, que trabalhou por muitos anos em Wall Street e  que agora se junta ao grupo de manifestantes.
O cenário é colorido por pôsteres anarquistas e socialistas, e de  dentro de um saco de dormir azul salta uma pequena jovem de 20 anos para  dizer que é, na realidade, uma conservadora.
“Veja, eu sou economicamente conservadora mas reconheço que, do jeito  que as coisas vão, não teremos futuro”, diz Casey Higgins, de Richmond,  na Virginia.
Ela decidiu entrar num ônibus rumo a Nova York com uma amiga, mesmo  contra a vontade dos pais. A sua mãe trabalha na loja de departamentos  JCPenny e o pai é analista de sistemas. Mas, não importa o quanto  trabalhem, eles não vão conseguir pagar pela educação de Casey.
“O meu sonho é ir para a faculdade, mas do jeito que as coisas vão eu  não vou conseguir pagar  ela educação superior até eu ter 25 anos”, diz  Casey.
Sem dinheiro para arcar com a educação superior, as oportunidades vão se tornando mais restritas para a geração de Casey.
“Meus pais e outras pessoas ficam dizendo que estamos apenas  reclamando, e que se trabalharmos duro vamos conseguir concretizar algo,  mas nós estamos aqui porque vemos que isso não é mais possível. O  espírito americano ainda está vivo e estamos aqui porque acreditamos  nele”.
Casey diz que a desigualdade social nos Estados Unidos está  aumentando rapidamente. “Eu por exemplo estou em algum lugar dentro da  classe média agonizante”, diz ela.  “É como uma lágrima: a classe alta  está acima, se tornando menor, enquanto a classe media está abaixando,  tornando a base da lágrima mais grossa”.
Os manifestantes aqui de Wall Street estão dizendo que não podem mais  ficar sentados enquanto a base da lágrima fica mais e mais grossa.
Matt Erickson tem 27 anos e também chegou ao fundo da lágrima. Seu  pai trabalhava para uma metalúrgica chamada North Western Steel e assim  ele pôde criar Matt com uma condição de classe média. Mas agora os  tempos mudaram. “Naquela época, se você se candidatava a 5 empregos,  recebia 4 convites para entrevistas. Agora as pessoas se candidatam a  100 vagas e nada”.
Hoje, Matt trabalha como terceirizado em uma pequena empresa que faz  carpintaria em Illinois. Ele não recebe os benefícios que teria com  carteira assinada, mas foi o único trabalho que conseguiu desde 2009,  quando foi demitido do cargo de operador de máquinas em uma fábrica por  chegar atrasado 3 vezes. “Eles acharam um motivo para me demitir e  reduzir os custos. Eu não recebi nenhum benefício quando saí”.
Matt Erickson deixou sua pequena cidade em Illinois para se unir ao  protesto de Wall Street logo no início, em 17 de setembro. No nono dia  da ocupação, ele foi um dos que participaram da marcha que saiu da  Liberty Plaza até a Union Square.
“No caminho a polícia estava pegando e detendo as pessoas”, lembra.  “Eu ouvi gritos e quando me virei, bem na minha frente, vi um grupo de  meninas que estavam sentindo dor depois de serem atingidas pela  polícia”. A polícia Nova-Iorquina usou spray de pimenta para dispersar  os protestantes.
No dia 1 de outubro, houve mais um encontro violento com a polícia.  Rebekkah Olson, uma estudante de 19 anos, foi presa durante a marcha –  junto com 700 pessoas.
“Eu marchei junto com centenas de pessoas desde a ponte do Brooklyn, e  havia uma barricada policial esperando por nós no caminho. Eles nos  detiveram e nos colocaram em camburões para nos levar até a cadeia”.  Segundo ela, o protesto era pacífico, mas a polícia não.
O tenente Bhoj, da polícia nova-iorquina, responsável por fazer a  segurança da Liberty Plaza ao lado de uma fila de policiais diz que não  viu nenhuma violência. E não diz mais nada. “Não tenho permissão para  falar dos confrontos”.
Enquanto isso, perto do saco de dormir azul de Casey, o arquiteto  John Lowe define bem o grupo de pessoas que está se aglomerando em Wall  Street: “Todo mundo está aqui”, diz ele. “Os velhos, os novos e os do  meio”.
De fato, pouco adiante está Ward Morehouse, de 82 anos, mostrando que nunca se é velho demais para sair às ruas e protestar.
Ele é um ex-professor universitário e autor de diversos livros. “Eu  fui detido muitas e muitas vezes por desobediência civil e planejo  continuar mostrando minha opinião”.
Seu amigo Trent Schroyer, de 75 anos, professor no Rampo College de  Nova Jersey, entra na conversa para dizer que está aqui “para conhecer  pessoas e trocar ideias”.
Trent é mais um daqueles que garantem que a ocupação Wall Street é  acima de tudo uma ação para compartilhar ideias. Ao seu lado,  proveniente de outro mundo e outra geração, a jovem Moses Appleton, de  24 anos, diz que “uma comunidade que troca idéias constrói assim a  ação”.
 
																					

