texto originalmente publicado no IHU-Online

Crédito: Agência Envolverde.
A crise ética por que passa o sistema financeiro internacional após  sucessivas crises tem posto em risco as economias ocidentais e reacende o  debate de pensar formas alternativas ao atual modelo econômico.  Entre  as opções para um sistema mais justo e menos desigual, Nicolás Meyer propõe a expansão de bancos comunitários,  os quais “permitem que as comunidades gerenciem e administrem sua  própria riqueza”. Na avaliação dele, essas instituições “produzem um  processo de apoderamento muito forte na vida das pessoas. (…) A  autoestima e confiança crescem ao sentirem-se capazes de decidir, de  trabalhar juntas, de ver que seus esforços melhoram a comunidade”.
Em entrevista concedida por e-mail para a IHU On-Line, Meyer diz que o projeto da economia solidária é ameaçado constantemente pelo capitalismo,  o que põe em xeque a manutenção de um sistema alternativo. “A principal  disputa é simbólica, ou seja, na confiança que as pessoas outorgam a um  ou outro sistema. O capitalismo se crê invencível e poderoso,  desacreditando e intentando destruir todas as experiências alternativas  de economia solidária”, avalia.
Nicolás Meyer é atualmente diretor da Nuestras  Huellas, uma associação civil sem fins lucrativos impulsionada por um  grupo de argentinos desde junho de 2002 e que tem o ânimo e o  compromisso de contribuir para melhorar as condições de vida dos setores  mais carentes da Grande Buenos Aires.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que diferencia os bancos comunitários de microcrédito dos bancos privados tradicionais?
Nicolás Meyer – Os bancos comunitários são  organizações financeiras de bairro e permitem que as comunidades  gerenciem e administrem sua própria riqueza, expressa em suas poupanças.  Favorece que o dinheiro fique na comunidade. Os vizinhos conhecem as  necessidades de sua comunidade e podem desenhar sistemas de  financiamento segundo a realidade em que vivem.
IHU On-Line – O que diferencia os bancos de microcrédito a  partir da perspectiva da economia solidária? Eles dão conta dos  princípios dessa forma de economia?
Nicolás Meyer – A economia solidária propõe outro sistema econômico em todos os seus âmbitos e processos.  Por isso as finanças solidárias são transversais a todos os processos de  produção, comercialização e consumo; assim, por exemplo, nos âmbitos da  cultura, o habitat, etc. Por isso o microcrédito é uma das ferramentas  das finanças solidárias e, talvez, uma das pontes mais concretas para se  passar das finanças convencionais capitalistas às finanças solidárias. O  microcrédito deve ser acompanhado por outras ações e estratégias que o  complementem; caso contrário facilmente iria se transformar num  financiamento para pobres e somente de subsistência.
IHU On-Line – Pode-se dizer que existem bancos de/para pobre e  bancos de/para rico? Como as cooperativas de crédito atuam nesse  contexto?
Nicolás Meyer – Creio que mais do que bancos para  pobres e ricos, existem sistemas de financiamento para uns e outros. Os  bancos são somente um elo na cadeia. As finanças solidárias não devem  ser somente para pobres: devem propor uma alternativa para que todos e  todas administremos e utilizemos nosso dinheiro. Não conheço muito a  realidade das cooperativas de crédito, pois na Argentina estão muito  pouco desenvolvidas; temos uma normativa muito dura.
IHU On-Line – O cooperativismo das grandes empresas e  cooperativas pode engolir, e até destruir, o cooperativismo popular? O  projeto da economia solidária como sistema social e econômico  alternativo ao capitalismo pode estar ameaçado?
Nicolás Meyer – Seguramente está ameaçado e essa é  uma disputa constante. A principal disputa é simbólica, ou seja, na  confiança que as pessoas outorgam a um ou outro sistema. O capitalismo  se crê invencível e poderoso, desacreditando e intentando destruir todas  as experiências alternativas de economia solidária.
IHU On-Line – O que falta para que a economia solidária possa  substituir ou ser, de fato, uma alternativa à economia tradicional?  Qual é o impasse para a construção de novas ações dentro da economia  solidária?
Nicolás Meyer – Creio que faltam políticas públicas  que promovam e facilitem o desenvolvimento das fianças solidárias. Para  isso necessitamos uma administração política que entenda e creia na  economia solidária. Também faltam organizações, grupos e pessoas que se  animem a trabalhar nessa área e a inovar com novas propostas. Por  último, para mencionar somente algumas, creio que também falta  articulação entre todos os atores que estão envolvidos na economia solidária; com isso ter-se-iam mais força e representatividade na hora de lutar por diferentes temas.
IHU On-Line – Como funciona o banco Nuestras Huellas? Qual é  objetivo central da instituição e como ela promove a economia solidária?
Nicolás Meyer – O objetivo central de Nuestras  Huellas é criar nos bairros populares sistemas de finanças solidárias,  principalmente mediante os bancos comunitários, para que as pessoas  possam crescer na autonomia financeira e decidir como querem administrar  e utilizar seu dinheiro. Nesse processo escolhemos atuar com mulheres  que trabalham independentemente.
IHU On-Line – De que modo os bancos de microcréditos têm  modificado a vida das pessoas? Em que sentido as finanças solidárias  democratizam o sistema financeiro?
Nicolás Meyer – Os bancos comunitários produzem um  processo de apoderamento muito forte na vida das pessoas. Isso é um  pouco o que trato de mostrar em um artigo recente que escrevi. A  autoestima e confiança crescem ao sentirem-se capazes de decidir, de  trabalhar juntas, de ver que seus esforços melhoram a comunidade. As finanças solidárias democratizam o sistema financeiro porque voltam a pôr em mãos dos atores centrais os  recursos e as decisões. As finanças saem de seu lugar de complexidade e  descem à realidade cotidiana das pessoas, com sua linguagem, seus  códigos e suas modalidades.
IHU On-Line – Até que ponto se pode falar de ética nas finanças e na economia regulada, considerando o modelo econômico atual?
Nicolás Meyer – É um grande desafio, é um debate que  é preciso enfrentar. Poucas pessoas se metem nas finanças, e até  pareceria que é preciso ser doutor em economia para poder opinar. É  necessário que as finanças se humanizem, se socializem para que todos as  sigamos e entendamos. Constantemente decisões no mundo das finanças  estão sendo tomadas, algumas éticas e outras não. De todo modo, é  importante que não seja tudo do mesmo e que os que tomam decisões não  éticas possam prestar contas, deixando claras as razões pelas quais  estão fazendo, caso queiramos que eles administrem nosso dinheiro.
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Luiz Tavares
25 de dezembro de 2011Após assistir o documentário “Negócio Interno”, sobre como aqueles que geraram a crise americana e mundial de 2008, e no final se deram bem, migrando inclusive para o Governo Obama, acredito que este artigo merece atenção especial.