Rio de Janeiro, 27 de outubro de 2014
A Hora é de Acertar o Rumo do País
Cândido Grzybowski
Sociólogo, diretor do Ibase
A Presidenta Dilma Rousseff foi reeleita, mas quem ganhou foi a cidadania e a democracia do Brasil, com uma disputa eleitoral que mostrou reconhecimento de conquistas importantes, mas ao mesmo tempo a necessidade de mudanças. Se o poder constituído pelo mandato das urnas saberá se sintonizar com a cidadania reivindicante é uma questão em aberto. Dilma Rousseff, em particular, deve sua reeleição à cidadania mais organizada e militante, de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Neste segundo turno, mesmo com críticas abertas ao distanciamento de movimentos sociais e do tecido associativo da cidadania e com frustrações diante de um desenvolvimentismo incapaz de promover reformas mais estruturais na sociedade brasileira, setores mais organizados e militantes na sociedade civil se engajaram na disputa para evitar uma volta a políticas mais neoliberais, encampadas pelo candidato Aécio Neves. Mas o voto de reeleição – majoritário por pequena margem de 3,5%, de 3,5 milhões de votos – precisa ser visto como um pedido de mais e não simplesmente do mesmo.
Estamos diante do futuro que estamos construindo a partir do aqui e agora. Toda a campanha foi mais de formas de gestão, de fazer melhor o mesmo por esta ou aquela candidatura, do que de projetos de futuro, do Brasil para si e para o mundo. No seio da cidadania, porém, o que se quer é o Brasil de amanhã. Isto implica em acertar rumos e opções estratégicas desde já, no que fazemos hoje.
Como eleitor de Dilma, me somo aos mais de 53,5 milhões de brasileiras e brasileiras que querem um aprofundamento democrático mais radical. Demandamos um reformismo mais consistente, mais transformador de um país ainda marcado pela colonialidade e posição dependente na geopolítica mundial. As iniciativas em termos de relações externas e de políticas sociais internas feitos até aqui pelos governos do PT ainda não marcam mudanças de rumos. As ruas, a cidadania mobilizada, demanda políticas sociais mais universalizantes e consistentes, capazes de requalificar e apontar transformações na economia socialmente injusta, excludente e insustentável que continuamos a manter e expandir, quase intocável em sua estrutura e modelo. Também exigimos um Brasil solidário e cooperativo, engajado na mudança da insustentável estrutura mundial de poder dominada por imperialismos militarizados, a serviço de grandes corporações econômicas e financeiras de atual global. Não podemos continuar com modestas iniciativas Sul-Sul e forte dependência de emergentes, entre eles algumas das potências mais autoritárias.
Ouvi o discurso de Dilma após o anúncio da vitória. Foi um discurso de chamado à união nacional, extremamente oportuno, pois de um lado e outro, com Dilma ou Aécio, e mesmo os que anularam votos, votaram em branco ou se abstiveram, compartimos uma mesma condição política de cidadania. Todos temos sonhos, desejos, vontades e projetos e o expressamos isto nas urnas de algum modo. Esta é a fonte de energia transformadora da democracia, que não dá poder absoluto, mas sempre relativo e de compromisso entre vencedores e vencidos. Sim, precisamos repensar e potencializar o país tendo a realidade geopolítica nacional desenhada pelas urnas. Como sintonizar com toda a cidadania, evidentemente sem renunciar a uma direção apontada, por menor indício que ela seja vendo-se o voto. Para Dilma, trata-se de partir da base construída por seu governo e pelos 8 anos de governo de Lula e fazer mais. Mas não só do mesmo. A cidadania militante despertada neste segundo turno quer as mudanças esperadas e que ainda não aconteceram. Por isto a sensação de um futuro incerto expresso nas urnas. Clarear isto buscando forças após uma renhida disputa eleitoral é um enorme desafio. Mas é nisto que pode se revelar a grandeza de estadista da Dilma no segundo mandato. Difícil nunca é impossível nas democracias. Mas demanda visão e ousadia.
Fiquei preocupado com o discurso no hotel de Brasília assim que o TSE declarou a vitória de Dilma e Michel Temer. Fora a tal condição da necessária busca de união nacional, não vi sinais que apontem para algo novo como universalização das políticas públicas de saúde e educação ao invés da duplicidade atual, balançando entre público e negócios privados em torno a direitos fundamentais de cidadania. O mais surpreendente é que fora manter a estabilidade (inflação e responsabilidade fiscal) a Dilma nada anunciou de novo, absolutamente nada, sobre como enfrentar as contradições do “desenvolvimentismo” de pernas curtas, perigosamente reprimarizador da economia, socialmente injusto e destrutivo do meio ambiente, até aqui apoiado por políticas estatais mais ativas. Não estamos mudando a nossa base estrutural, condição do futuro da sociedade numa perspectiva de justiça socioambiental. Estamos até aqui combinando o mesmo modelo de desenvolvimento com políticas sociais mais consistentes. Isto atende a urgências e emergências, louváveis de um ponto de vista ético e democrático, mas é insuficiente para gerar outro país, baseado em outra lógica de organização econômica, social, cultural e política.
Ficou faltando também, nesse discurso da vitória, algo mais consistente que reconhecer o fato de sermos uma das maiores democracias no mundo. Temos uma enorme responsabilidade no mundo, esta é uma verdade que precisamos encarar de frente. Aliás, o mundo nos olha como força para que possibilidades de outros mundos surjam, superando a globalização neoliberal, do domínio pelo “cassino” global e por exércitos e guerras sem futuro. Para alguém profundamente engajado no processo do Fórum Social Mundial, nascido do seio da sociedade civil brasileira e abraçado pelo mundo, fico frustrado e, penso, este é um sentimento comum na nascente cidadania planetária. Gostaria que Dilma e seu entorno entendessem que a cidadania do Brasil e do mundo espera mais e muito mais para que as mudanças geopolíticas apontem para mais cooperação e menos conflito e dominação. Nenhuma palavra a respeito é um começo preocupante para os próximos 4 anos.
Enfim, a reforma política anunciada no discurso é, sem dúvida, um começo. Muitas outras reformas são necessárias para revitalizar a democracia no Brasil, para despertar na cidadania uma onda de democratização tão e mais poderosa que nos permitiu superar a ditadura. O que precisamos é de sinais firme da timoneira no rumo das mudanças necessárias, tornando o impossível possível, força das democracias.
Foto: do site Página 13